domingo, 30 de dezembro de 2012

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É, o mundo é dos espertos

Mas quem disse que eu quero o mundo?

Eu preciso apenas de um cantinho
que seja apenas meu
onde eu possa cuidar do meu jardinzinho
que tem apenas três florzinhas



                                                                        Morpheus

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

SONETO PARA AS MENINAS



É na puerilidade desses gestos
e em todo o carinho com a tua irmã
onde demonstra todos teus afetos
urdindo amor como precoce tecelã

E eu, pai bobo e corujão, a observá-las;
pensador sombrio sobre esta chã
Quedo-me boquiaberto a admirá-las
com atenção de nobre uma artesã

E a neném que é tão linda e frágil
- perninhas e bracinhos sem parar
e a primogênita com ela a brincar

E esta união tão forte e estável;
Me enternece num momento e sonhar
Rima pobre que é acepção do verbo amar


                                                                                                   Morpheus

domingo, 9 de dezembro de 2012

HUMILDE RIMA


Quero falar do tempo que pertence a todos aqueles
que não subjugaram suas personalidades
nem suplantaram suas idiossincrasias
assimilando condutas de voláteis víboras que rastejam
sobre suas fezes nos cinzentos jardins onde a ironia
escorre entre devaneios

Quero falar das coisas que passam pela janela
ou do amor que tenho por ela

Quero falar das coisas do hodierno odiosas
mas que, ainda assim são valiosas
para quem não tem senão
um tempo livre e em vão

Aqui fica uma humildíssima rima
para quem se anima
a viver a vida
ainda que pareça desnutrida,
encardida,
inibida,
foragida,
escondida,
retraída
ou encolhida
em sua intrínseca razão

                                                               Morpheus

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

NOITE DE LUA

           Sentada de cócoras sobre o parapeito da janela de seu apartamento no vigésimo quinto andar, ela fumava.  Estática e nula.  Tinha a cabeça virada para o alto enquanto os olhos sequiosos de paixão observavam atentamente a brancura conspícua de seu amor flutuando no céu.  Momentos de solidão e silêncio como este pareciam-lhe eternos.  A brisa soprando leve, remexendo o tecido de sua blusa e deixando a mostra um pedacinho do bico de seu seio alvo e pequeno.  A boca borrada no canto do batom barato e sórdido.  Seus cabelos de um vermelho vivo se debatendo ao vento.  Seu rosto era o de uma menina que cresceu antes da hora, tinha uma testa pequena, sardas, belos olhos castanhos que estavam em perfeita sintonia com seu nariz fino e seus lábios carnudos.  O vento fraco lhe era agradabilíssimo embora tivesse, por vezes o pensamento tumultuado e um milhão de outros sentimentos se chocando em seu coração numa tempestade furiosa.  Ás vezes parecia pronunciar alguma coisa inaudível.  Tinha ressentimentos, rancores de várias pessoas.  Evitava outros pensamentos.  Era lacônica e sentia ódio de si própria.  Ódio por ter se tornado uma messalina cujo nome não importava a ninguém, um ódio que a oprimia muito mais quando se lembrava de que ela própria é que havia escolhido aquilo tudo, aquela vida.  Lembrava-se que no começo tudo parecera-lhe diferente e o fato de perceber o quanto havia sido tola, ingênua e idiota a torturava ainda mais.   No fundo, o problema é que ela era uma garota sensível e essa sensibilidade tão feminina a fazia sofrer muito ainda que se mostrasse sempre forte e carrancuda diante de tudo.  Seu coração batia descompassadamente, suava frio, mas não sentia medo por que muitas outras vezes já estivera sentada ali naquela posição.  Para uma pessoa que tivesse medo de altura seria terrível, mas não para ela.  No contorno dos olhos ainda trazia a maquiagem extravagante das noites perdidas que envolviam sua história dramática.  Mas quem, nestes dias de hoje, tinha tempo para ouvir histórias dramáticas e depoimentos melancólicos de uma jovem prostituta que queria apenas ser ouvida?
   Os clientes apenas a queriam com sofreguidão e urgência.  E os pagamentos eram antecipadamente efetuados para que ela tivesse a certeza de que não perderia seu tempo, aprendera isso logo no começo quando ingressara nesta profissão que agora já amaldiçoava.  Ás vezes ela se trocava por um par de sandálias, ás vezes por um almoço luxuoso e roupas novas, não tinha talento pecuniário.  Sua vida era esta mesmo, era a vida das pecadoras.  Inventara para si mesma a ideia de que tudo havia acontecido por falta de opção ou chance quando, na verdade, tudo havia sido por falta de inteligência e também em virtude de um comportamento priápico.  Mas por dentro, lá no fundo, era romântica.  Ela sofria.  Ela se entregava a audácia de sonhar com muitas outras coisas decentes, longínquas e distantes.  Mergulhava em devaneios e sonhos de uma bela família, sonhava docemente, fazia planos e imaginava as cores das paredes de sua nova casa, os móveis, os eletrodomésticos, as crianças, duas ou três ela imaginava a correrem pela casa enquanto ela preparava um saboroso bolo de laranja e todo o cheiro do bolo no forno estava pela casa, a campainha tocava um toque austero e então ela limpava as mãos no guardanapo e ia atender a porta para recepcionar as visitas e todos chegavam muito alegres e falantes e tudo era tão perfeito naquele momento, era tudo tão lindo naquele mundo que era apenas dela que ela chegava mesmo a suspirar sem perceber!  No entanto, toda vez que ela tinha que abrir as pernas novamente e fazer todas as encenações de gemidos, por que alguns exigiam tais coisas e outras mais, ela sentia o seu sonho tão bonito se desvanecer e se evaporar como fumaça no ar.  No começo se divertira, mas agora era como se esta violência a estivesse matando aos poucos.  Estava cansada.  Ia esmorecendo todo o seu vigor de mulher de vinte e poucos anos, ia se esgotando o seu humor, sua vontade de viver, todo o seu amor próprio.  Mas toda vez que podia refletir um pouco e decepcionar-se consigo mesma ela o fazia sentada sobre o parapeito de sua janela.  Era perigoso, é claro, mas talvez apenas um pouco mais fatal do que a vida que levava.  E agora, enquanto ela fumava tranquilamente e olhava para a lua com seus cabelos vermelhos esvoaçando ao vento, pensava no encontro que iria ter com seu amor lá no alto flutuando no céu entre as estrelas.
   Já há alguns dias esperava por este momento, por este dia em que completava vinte e três anos.  Já planejara tudo há algum tempo e agora finalmente se aproximava o momento em que saltaria para encontrar seu amor verdadeiro e único.
   Desde a infância sonhara com este momento, desde quando voltou seus olhos para o céu e apaixonou-se...  Lembrava-se perfeitamente daquele momento de sua infância, deitada sobre a grama com os braços abertos, olhando para o céu e se perguntando se os anjos existiam mesmo de verdade.  Mas para que perguntar sobre coisas que nunca poderia responder se tinha a lua inteira toda para ela?  Então ela olhou de forma diferente para a lua e percebeu o quanto ela era fascinante.  E foi neste dia, não se lembrava de quantos anos tinha, que fez para si mesma a promessa demasiadamente louca e apaixonada de um dia saltar para abraçá-la.  Foi uma promessa demente e infantil; mas como diz um ditado alemão, “crianças e loucos sempre dizem a verdade”.  E ela jamais se esqueceu desta promessa.  Desde então sempre que podia ela saia para ir deitar-se no quintal, naquele mesmo lugar sobre a grama onde podia ficar olhando para o céu e para a lua.  Sua mãe lhe impunha o horário das dez horas para voltar e se recolher para dormir, pois dez horas naquele sítio onde vivera com a família já era horário tardio.  Numa dessas noites em que olhava para o céu ela começou espontaneamente e; não posso deixar de dizer, inocentemente a tocar seu sexo e a descobrir-se.  Encontrou sozinha um prazer que, para ela ainda não tinha nada de imoral, ao mexer com seus dedinhos em sua vulva e em seu clitóris.  Por fim, tornou-se um hábito mesmo e quase todos os dias ela ia deitar-se sobre a grama para olhar o céu e a lua e todas aquelas estrelas e masturbar-se.  Ás vezes passava o dia todo esperando aquele momento chegar.  Tomava um banho, vestia-se e saia para entregar-se á sua lubricidade.  Deitava-se sobre a grama e começava a passar as mãos pelas coxas olhando para o céu e tendo como sua única testemunha a lua, ia erguendo sua saia bem devagar, baixava a calcinha até os joelhos e deixava sua vulva à mostra como a exibi-la para a lua.  Então ia se tocando, se acariciando, se alisando e todo seu corpo se arrepiava enquanto ela afagava a vulva para a lua  e enfiava o dedo nela e depois tirava e roçava seu clitóris, brincava com ele e depois passava a cheirar o dedo e saborear seu próprio cheiro num ritual muito particular, mas inocente e prazeroso de concupiscência e prazer.  Isso se tornou para ela o mais pleno dos prazeres, a mais divertida das brincadeiras, um dia chegou a alcançar tamanho gozo que pensou que fosse morrer e urinou na grama sem pensar em nada, totalmente entregue ao gozo e à delícia daquele momento.  Isso se deu por algum tempo, até o dia em que sua mãe a seguiu e a flagrou e então a censurou muito e lhe bateu severamente com uma varinha de marmelo e depois a colocou de castigo por duas semanas sem sair mais à noite.  Atitude esta que não adiantou muito por que ela continuou a masturbar-se em seu quarto às escondidas e muitas outras vezes aprontou tantas outras coisas que um dia, após já ter completado seus dezoito anos, resolveu fugir de casa e o fez.  Porém jamais se esqueceu de sua promessa e nunca a tirou do pensamento.  Por todos os lugares onde passava sempre mantivera a lembrança de sua promessa e o desejo vivo de realizá-la.
   Mas quando seu cigarro acabou não quis mais relembrar.  Virou de frente para o interior de seu apartamento e se sentou cruzando as pernas.  Lentamente foi passando os olhos por tudo, seus objetos pessoais, seus enfeites baratos, seu aparelho de som que já não funcionava mais e todos os seus móveis desgastados e sujos.  Olhava para as coisas com ternura, mas não como alguém que fosse sentir saudades.  Quantas farras já tinha feito naquele apartamento!  Quantas barbaridades para outras pessoas, mas para ela agora eram apenas lembranças de noites loucas e divertidas.  E lá estava ela relembrando de novo, presa ao passado e sem ter nenhuma perspectiva de mudança, nem mesmo uma lembrança bonita para lhe acofiar o coração.  A única recordação boa que poderia ter seria do dia em seu filho nasceu, mas já nem disto podia orgulhar-se.  Dera-o à sua mãe para que o criasse, protegesse e educasse, pois ela não queria saber de nada mesmo e o pai ela já nem tinha certeza de quem era.  A avó certamente saberia como criá-lo por que ela própria não saberia, nascera para viver para o mundo.  O suposto pai, pelo menos o que ela tinha quase certeza de o ser, estava cumprindo pena numa penitenciária estadual e nem sabia que tinha um filho.  E afinal ela não tinha muito saco para crianças, havia dias em que não era capaz nem de suportar a si própria, não conseguia nem aturar sua própria risada desafinada.  Ora, que fosse tudo para o inferno, ela pensava.  Observando o vazio pleno de seu apartamento já não quis mais pensar em sua vida, não queria mais lembrar que tinha um filho vivendo longe dela e junto com o avô e a avó que não a toleravam, não quis saber de mais nada e pensou que sua vida era uma sucessão de erros malditos onde ainda incluía dois abortos espontâneos, drogas, álcool, tudo de ruim que pode se querer, era uma vida maldita!  Já devia dois meses de aluguel e não tinha para onde ir depois de um despejo que era quase certo, mas o que lhe importava, de fato, é que sempre tinha dinheiro para o cigarro.  A forma como as coisas todas tinham se sucedido em sua vida já não lhe importavam, tampouco.  Afinal haviam sido tantas as atitudes e os caminhos errados que tomara na vida.  Não queria mais pensar em nada.
   Virou novamente de cócoras para o lado de fora da janela e passou a observar o mundo noturno lá embaixo.  Tantas palavras e olhares perdidos na dissonância do vento!  Alguém no apartamento ao lado estava tomando banho, ela podia ouvir o ruído do chuveiro e por todos os cantos da cidade as pessoas comiam, bebiam, fodiam e se fodiam sem parar, era o mundo.
   Olhou para o céu.  Seu amor estava lá num flutuar celestial.
   Baixou novamente os olhos e eis que tinha novamente aos seus pés a cidade soturna com seus roncos de motores, suas luzes de neon, seus out-doors coloridos e todo o ritmo da noite.  Porém agora a cidade lhe parecia triste.  Eram taciturnos os becos, os habitantes todos eram anônimos e alguém ouvia músicas eletrônicas em algum lugar.  Tudo o que havia de vivo e deplorável era o baixo meretrício de onde viera antes de alugar aquele apartamento, o baixo meretrício que a abraçara como um generoso e paterno senhor.
   Olhou para o céu novamente e avistou seu amor, seu único e verdadeiro amor  desde a infância, plena em alva e formosura que arrebatava-a instantaneamente num transe de expectativa que instilava esperança em sua alma sofrida.  Era chegado o momento.  Tinha absoluta certeza de que era chegado o momento; mas conteve-se ainda.  Acendeu outro cigarro.  Tragou lenta e demoradamente enquanto residia em seu ser um pensar quase filosófico ou talvez eu devesse dizer, muito filosófico.  Fumou. 
   Jogou fora a bituca e saltou para abraça-la.  Porém o acaso lhe proporcionou um susto derradeiro para que se desse conta talvez, se arrependesse talvez ou apenas se assustasse mesmo.  Quando saltou não ficou em pé antes de fazê-lo, não se preparou como alguém que vai mergulhar numa piscina mas apenas impulsionou todo o seu corpo e todo o seu peso tal qual uma rã ou um gafanhoto o faz.  Foi um salto tão mal feito quanto impensado e repentino de modo que ela acabou ficando, por uns raros e fugazes segundos, enroscada por sua camisola que acabou ficando presa entre a cama e a parede, não importa, o que importa é que ficou pendurada por alguns segundos e esse foi o momento tresloucado e mais lúcido em que se arrependeu de saltar para a lua.  Saltar para encontrar o seu amor e a morte.  Foi a mesma sensação de quem tropeça e cai de repente e se dá conta de que caiu instantaneamente mas no caso dela, ela apenas se deu conta (ao enroscar-se) de que não queria saltar.  Não queria morrer de verdade, não queria encontrar seu amor lua, não queria suicidar-se!  Mas já era tarde; o enrosco de sua camisola, como eu disse durou apenas alguns segundos e o arrependimento de ter saltado durou metade desse tempo pois o resto foi estupefação e nada mais.
   Sua queda foi rápida, sua morte foi instantânea e sua última visão foi a de seu amor flutuando no céu entre as estrelas.

                                                                                                                Morpheus 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

EXORTAÇÃO DA POESIA


No repentino momento da travada
um entrave atravessa a palavra pensada
                         entretanto
o travão não impede a rima tão esperada
que traduzida se refaz sem trato entrelaçada
                                              e entretecida
                                já se tem por acabada
      embora não tenha sido rima bem rimada

me leva a...

                           Introspecção
sem o intrínseco movimento muscular da traquéia
                            se esconde
a voz como um caminhoneiro que dorme na boléia

E sigo trotando na tradução dos trovões d'alma
triplicando-se travessos sobre a tarde tão calma
trêmulos e translúcidos transtornos
os trejeitos ultrajantes são retornos
para rimas sem sentido e intragáveis
encrustadas em poesias tão estáveis

Por fim, pensei, pensei, trespensei
e conclui que, de fato, nada sei
acho que até me perdi no que eu pensava
mas no fim, isso nem tanto me importava
por que o que, na verdade me importa
é toda a força que a poesia ainda exorta


                                                                     Morpheus

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

MAGRA NEGRA, NEGRA MAGRA



NEGRA MAGRA
MAGRA NEGRA
MERETRIZ
MAGRA NEGRA UM DIA EU QUIS
QUE MAGREZA
A NEGRURA
e os peitinhos tão magrinhos
DA NEGRINHA
NA RUA DAS PEDRAS ENEGRECIDAS
AS TRISTES PUTAS ENTRISTECIDAS
E A NEGRA MAGRA ENTRE ELAS


MAGRA NEGRA
NEGRA MAGRA
MERETRIZ
MAGRA NEGRA E SEUS ARDIS
NA POBREZA
TODA AGRURA
e a escabrosidade tão sofrível
DA NEGRINHA
QUE NUMA VIDA JÁ VIVEU TANTAS VIDAS
E DESTRATADA ENTRE TROVAS ENCARDIDAS
AINDA ENTRETA ENTRE AS VIELAS


NEGRA MAGRA
MAGRA NEGRA
PROSTITUA
SORRINDO ENTRE DENTES TODA ARGUTA
POR TROCADOS ENTREGA A GRUTA
VENDE BARATO PRO TRUTA
transação noturna sem trote nem treta
ELA VENDE A BOCETA
SEJA O COMPRADOR MALUCO OU CARETA
ADMINISTRADOR, TRATANTE OU PERNETA


MAGRA NEGRA
 NEGRA MAGRA
PROSTITUTA
PROSTRADA E ENTREGUE A NEGRA PUTA
TODA NOITE NA LABUTA
E TAL CONDUTA
tão difícil, sem remédio, vida crua
A NEGRA NUA
PELOS BECOS, NAS ESQUINAS DA CIDADE
O AMOR JÁ SE FOI OU NUNCA FOI NA VERDADE
ESSA VIDA É SÓ SOFRIMENTO E MALDADE


                 
                                                                       Morpheus


sábado, 20 de outubro de 2012

ESTOMACAL



Eis-me num gástrico dia incomum
ou seria indigerível letargia crepuscular?
Na multidão sou apenas mais um
com dores no estômago e longe do lar

Náuse lenta e tempestades estomacais
regurgitando a efemeridade alimentícia
Quisera eu contemplar auroras boreais
e desaparecer com maestria e estultícia

Mas agora já me cansei
demasiadamente disto tudo
por isso calo a boca e fico mudo

Sem vômitos extravagantes
e diferentes frases agonizantes
eu apenas me calei


                                                                        Morpheus

domingo, 30 de setembro de 2012

DIA DE DOMINGO

           


                 Zanello acordou de repente ouvindo barulhos na sala.  Com seus olhos remelentos olhou para o rádio relógio no criado mudo; nove e meia da manhã.  E então ele se lembrou de que era domingo.  Logo identificou as vozes que vinham da sala, eram seus parentes que tinham vindo almoçar em sua casa.  Aquilo dava no saco, eram insuportáveis!  Sua tia já vinha dizendo; nossa como você tá grande!  Como você cresceu!  Já está moço, ainda tá trabalhando?  Não?  Por que?  Ai coitadinho!  E seu tio idiota só ficava dando risadinhas à toa enquanto seus primos imbecis queriam jogar vídeo game com ele.  Aquilo tudo cozinhava-lhe os ovos, era foda.  Na verdade, qualquer coisa cozinhava-lhe os ovos ultimamente.  Quase nada mais em sua vida era engraçado ou divertido.  Mas tinha que ser rápido antes que viessem incomodá-lo em seu quarto por que os idiotas nem mesmo tinham algum senso de privacidade, então Zanello deu um pulo da cama, pegou a vareta de insenso debaixo da cama, um resto de baseado que estava em baixo da palmilha de seu tênis, um livro com historinhas da Rê Bordosa e correu para o banheiro.  Tapou a fresta da porta com a toalha, acendeu o incenso e logo na seqüência o baseado, fumou rapidamente e deu um boa cagada enquanto ia lendo as aventuras de Rê Bordosa.  Logo vieram bater na porta:
            - To cagando e vou demorar – ele gritou de lá de dentro; mas que saco!  Por que não vão usar o banheiro do fundo?  Não é por isso que essa porra dessa casa tem dois banheiros?
            Zanello passou uma hora e meia dentro do banheiro e sem pressa nenhuma havia terminado suas abluções matinais.  Rapidamente passou do banheiro para seu quarto e trancou a porta.  Vestiu-se rapidamente, calçou seu tênis, pegou seu boné, seu mp3, seus óculos escuros e foi para a cozinha onde cumprimentou todos rapidamente, tomou um gole de café e saiu dizendo que logo voltava.
            Na rua, abriu a carteira, ainda tinha sessenta e sete reais que haviam restado de seu último pagamento antes de haver se demitido por conta própria da empresa maçante onde havia trabalhado por seis longos meses.  Decidiu que iria fumar um baseado na linha do trem, por que afinal de contas era um local bem tranqüilo onde ele podia ficar em paz.  Desceu até lá, mas antes passou na padaria e comprou dois sonhos para ir mastigando no caminho.  Já na linha foi até o local onde havia deixado escondido uma pequena porção de erva uns dias antes, retirou o necessário para um belo baseado, sentou-se numa das muretas próximas aos trilhos e começou a enrolar tranquilamente seu cigarrinho.  Estava ainda se lembrando da noite anterior, muita cachaça, farinha, roles intermináveis, música eletrônica, umas minas bonitas mas burras demais, enfim, tinha acabado a noite sozinho e fumando um baseado para variar.  O fato é que pouca coisa parecia estar fazendo sentido na sua vida ultimamente e ele estava pouco se lixando para isso.  Acendeu o baseado, deu uma boa tragada e prendeu a fumaça que rapidamente atingiu o seu cérebro.  Foi quase como uma porrada, mas depois foi muito relaxante e em pouco tempo já havia fumado o baseado inteiro. Naquele momento nem queria levantar-se da mureta, ligou o mp3 e as guitarras começaram freneticamente, logo surgiu a voz rouca e suja de Lemmy Kilminster gritando Ace of Spades, Ace of Spades, Ace of Spades!  Zanello quase delirava.  Pulou da mureta e saiu caminhando pela linha do trem e era como se estivesse caminhando no ritmo da música.  Caminhou uns duzentos metros até chegar a um cruzamento, então saiu da linha, passou num bar, comprou uma cerveja e voltou para a linha curtindo seu som.  O sol estava pleno no céu, não estava muito calor, ele tinha ainda algum dinheiro, ia ser um belo dia de domingo.


                                                                                                                     Morpheus

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

VERDADES E MENTIRAS



Procuro um poema...

Descubro um poema imbricado em si mesmo
e o desdobro
como um papel que foi muito, muito amassado

O poema diz a verdade

O poema mente

O poema captura as coisas
que estão soltas,
flutuando na tarde quente


                                                     Morpheus

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

AS TROCAS


Este tempo é pátina escorrendo entre garrafas
e musgos entre vapores e sujeiras e mofos e bolores
do comércio
que não para de vender objetos mortos às formigas
que passam e sentem seus cérebros sendo atraídos
através de seus olhos

Impõe-se
      a imagem real
que farta
      a mente de detalhes
inúteis e
      o vômito encontra o ápice

Sei que quando o tempo engolidor de dias se extinguir
arrastando consigo os conflitos todos
e os musgos, as garrafas, as sujeiras, os bolores e os mofos
todas as conexões se encaixaram mecanicamente
no tempo rolando então; não me peça para definir
o que digo e eu não insistirei para você acordar...

Vou apagar a luz e não ver
pássaros de metal sobrevoando o quintal
das pálidas borboletas
Vou fechar meus olhos e esquecer
as permutas e os interesses e o clientelismo tão banal
em negras maletas

Mas num segundo apenas meu, estremeço, reflito

É..., até agora, isto tudo, este poema, não existia
e talvez seja realmente uma bela porcaria
reconhecer sua existência
mesmo que com alguma reticência

no entanto
a estrela de pedra fria foragida entre as noites
permaneceu imóvel
longe do tempo que é pátina
e da luz da vela vacilante

                                                                      Morpheus

 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

TERCETOS VESPERTINOS



Vespertino momento que nada diz
e eu perdido
entre as pessoas que falam: eu sou feliz

Vespertino momento de inanidade
e eu perdido
pelos cinéreos becos da cidade

Vespertino momento de "por enquanto"
quando tudo e nada
equivalem o mesmo tanto

Vespertino momento que não acaba
e eu perdido
na desastrosa tarde de sorocaba

Vespertino momento crepuscular
onde minha vontade
não tem púlpito nem altar



                                                                         Morpheus

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

PLANTAS NA CIDADE



As vidas se misturam pela cidade e crescem
como raízes
se imiscuindo umas entre as outras e rasgando a terra marrom
e como plantas; se entrelaçam,
interferem umas nas outras
e se abraçam,
se interrompem em rompimentos
que vão rompendo outros segmentos

Como galhos errantes elas crescem querendo luz
e muito cedo um sonho de consumo as seduz,
sempre parece importante ter
e para isso é preciso imbricar-se na metrópole
para encontrar o rumo de um ramo e crescer
com a vetusta árvore que atravessa os séculos


                                                           Morpheus

segunda-feira, 30 de julho de 2012

CAUSE PUZZLING YOU IS THE NATURE OF MY GAME

                                                               (para a mulher que expulsa demônios)

Venha à noite enquanto todos repousam
Ou na lucidez do dia maçante
Venha ser corruptora e amante
À revelia de todas daquelas que jamais ousam

Beba meu leite e desfrute minha embriaguez
Como uma fêmea no cio sediciosa
Em troca comerei sua carne saborosa
E nos tornaremos cúmplices outra vez

Beba meu leite, sorria, faça de conta que nada aconteceu
Então minta, engane, dissimule
Me beije, me abrace, me adule
Conte-me dos pecados todos que já cometeu

Me entregue sua alma sem receios;
Prometo guardá-la no meu próprio inferno
E sem promessas tolas de amor eterno
Ejacular com prazer em seus seios

Beba meu leite, sorria, jogue o cabelo do lado
Então desapareça por meses e depois volte
Me prenda entre seus lábios e depois me solte
Com toda a certeza do crime consumado

Ria comigo sem saber o motivo
Sem compreender o que eu digo,
Jogue a cabeça para trás rindo comigo
O indecifrável poeta ainda vivo

A posteriori nos permitamos um momento de ternura
Mas se falar de amor, não te conheço
E perambulando em silêncio anoiteço
Pelo infinito período de tempo onde a barafunda perdura

Deseje-me em silêncio e me toque com sinceridade;
Sua concupiscência é o meu melhor presente
Então brindemos essa tua vulva tão ardente
Que em lavas encerra toda e qualquer saciedade

Porém se queres saber do insodável
Estarás adentrando um labirinto de espelhos
Tudo que lhe restará será a derrota e de joelhos
Rogará para que seu erro seja perdoável

Obstante não escrevo para falar de certo e errado
Não devo lhe dizer o que fazer;
Sabes bem onde queres se meter
E o que desejas na loucura de um sexo indomado

Milhões de coisas ter lhe dito eu poderia
Angariar afagos e carinhos
E ignorar a mentira com beijinhos
Mas depois o que de nós se esperaria?

Entre nós só pode mesmo haver putaria
Assim são as coisas, guria gostosa
Por que gozar todo mundo goza
Mas nem todo mundo faz do gozo poesia

                                                                                        Morpheus

terça-feira, 10 de julho de 2012

A MORANGA



Ah, essa moranga tão poética...
é tão poética que não me remete à nada
e; por que me remeteria
a um sonho ou talvez um poema onírico?
É tão somente uma moranga mas...
macacos me mordam, que moranga!
Toda disforme e laranja
que remete-me à estupidez de encontrar
nela alguma poesia
Ou não seria estupidez
mas um incomum momento de singularidade?
Seria o que chamam de inspiração?
Estaria eu encantado e arrebatado
pela natureza estática de uma moranga?
Ou seria apenas um cérebro
e uma moranga...
Essa relatividade gritante
eu - a moranga - o poema

                                                      Morpheus

sábado, 30 de junho de 2012

HISTÓRIA DE UM AMOR CANALHA





            Acho que foi em 1998...(hesitação).  É; foi mesmo em 1998, eu me lembro bem que eu já estava muito cansado de tudo naquela época.  Eu havia finalmente decidido parar de me drogar por que aquilo já estava me dando no saco e não estava me fazendo nada bem.  Eu vivia pálido, magro, sem ânimo.  Minha vida não tinha rumo, tudo o que eu fazia era ficar em casa ouvindo Pink Floyd, Raul, The Doors e depois saia pelas ruas procurando alguém que tivesse um baseado no mínimo.  Eu estava cansado da minha família, tinha abandonado os estudos, largado da minha namoradinha, eu não queria saber de trabalhar e tudo que me bastava era algum livro de Nietzche que eu me esforçava muito para compreender e uma garrafa de vinho, enfim, essas coisas.  O ano anterior havia sido terrível para mim, havia sido um ano de tristeza, solidão, a mais absoluta desolação e totalmente preenchido por barbitúricos, alucinógenos, álcool, enfim, nem adianta muito ficar citando os nomes e as categorias de entorpecentes, para que?  Eu também estava de saco cheio dos meus amigos por que ninguém, absolutamente ninguém neste mundo cão me compreendia, nem eu mesmo.  E eu ficava entediado demais com o papo de qualquer pessoa ao redor e por isso eu saia sozinho andando sem rumo ruminando meus pensamentos miseráveis.  Eu não fazia nada o dia todo a não ser ler e escrever obstinadamente.  Eu queria captar alguma coisa em algum lugar, mas não sabia o que, o fato é que nada fazia muito sentido para mim e aos poucos eu ia me afastando cada vez mais das pessoas pelo simples fato de parecerem demasiadamente maçantes.  E apesar de ter tomado a decisão de parar de me drogar, cada vez mais eu caia na rotina de chapar e sair andando pelas ruas tentando imitar Jim Morrisom com todo aquele estilo.  Eu tinha os cabelos compridos, uma jaqueta jeans estilosa e queria andar como se fosse o próprio Jim andando pelas ruas até que alguém gritava - ô viado – e eu ficava puto da vida com aquilo, ninguém sabia quem havia sido Jim Morrisom ou quase ninguém nas redondezas.  Só depois eu iria perceber que apesar de ter sido fodão, Jim Morrisom também havia sido muito imbecil e que tudo o que eu precisava na vida era apenas ser eu mesmo.  O dinheiro era cada vez mais raro e vez ou outra eu fazia uns biscates para poder torrar com cerveja e maconha.  Cheguei a vender uns CDs, uma bicicleta, umas coisas que eu tinha e que achava que eram inúteis, tudo para cheirar, fumar, beber, qualquer coisa que me alterasse a consciência o suficiente para dar a tal “inspiração”, o click, a conexão mental que eu precisava juntamente com todas as coisas que eu lia, ouvia e vivia incessantemente para entrar em contato com a poesia.  Mas ninguém entendia isso, todos pensavam que eu estava simplesmente drogado.  Cara, isso me deixava puto.  De qualquer modo, eu vivia entorpecido e entupido de drogas demais para reclamar com qualquer um sobre qualquer coisa e apenas pensava; foda-se, vou continuar a me concentrar nas minhas sensações e continuar a testar essas possibilidades todas.  Eu, no meu modesto modo de pensar, eu era uma outra categoria de drogado e tudo o que eu queria subtrair daquelas substancias era poesia.  Por isso eu me chateava com outros papos, tudo que não fosse o meu mundo poético era careta, era sem razão, era maçante.  Tornei-me um cara muito mais sombrio depois que descobri As Flores do Mal, de Baudelaire, aquele livro realmente mexeu comigo.  Eu fumava muita maconha sentado na janela do meu quarto e olhando a noite e deixando tudo aquilo fluir em mim para depois, quando sentia a poesia se infiltrando em minhas veias, pegar o caderno e escrever, eram tempos muito loucos.
            Mas como eu dizia, chegou um tempo em que aquilo tudo já não dava o barato mais, tudo aquilo havia se tornado sem sentido.  Além do mais eu vivia louco para dar uma metida e as garotas não queriam saber de mim por que eu era muito feio (feio ainda sou até hoje) e relaxado, enfim.  Por outro lado a maioria das garotas me parecia muito fútil e volúvel, estavam sempre “inseridas no contexto” e eu procurava uma garota que não estivesse inserida no contexto, queria encontrar uma garota com senso crítico, coisa que até nos dias de hoje não é muito fácil de se encontrar.  Os meus amigos maconheiros só se divertiam jogando bilhar e bebendo, mas depois de um tempo com eles aquilo me dava no saco e eu saia, deixava-os.  Ia perambular pela noite.  Eu estava ficando cada vez mais desgostoso da vida e não tinha nem dinheiro para comer uma puta, que vida desgraçada e sem sentido eu levava!  Eu estava ficando louco e não percebia isso.  Estava ficando literalmente pirado com aquilo tudo e me sentia num círculo vicioso, num labirinto sem saída, era foda, acredite!
            Foi quando conheci Laura.  Este era o nome dela.  Tudo começou quando um amigo meu que também estava procurando emprego disse que havia conseguido uns contatos e que, pelo menos durante o período da propaganda eleitoral a gente ia ter um emprego e uns trocados para gastar.  E lá fomos nós trabalhar como cabos eleitorais, emprego temporário e sem aspiração para nada mas que serviria para pagar umas noitadas pelo menos.  E foi lá que a encontrei, Laura.  Ela era morena, mas de uma cor assim, morena meio parda, parecia suja, mas não era suja, era limpinha.  Não era muito alta, lembro-me que ela tinha os dentes muito branquinhos e bem separadinhos apesar de fumar como uma condenada!  E os cabelos dela também eram assim, negros, mas de uma cor negra queimada, fustigados pelo sol, acastanhados e ondulados.  Tinha seios não muito grandes mas deliciosos e uma bela bunda.  Laura não era feia, mas também não posso dizer que era bonita.  A simpatia dela compensava o que faltava de beleza e então ela se tornava uma pessoa bonita, mas era uma vagabunda e alcoólatra, assim como eu.  Éramos dois miseráveis e por isso nos apaixonamos quase que imediatamente, em pouco tempo ela já estava pegando no meu pau e eu enfiava o dedo na buceta dela com gosto, mas tinha um pouco de receio de por o cacete ali por causa de AIDS e essas coisas todas, sabe como é.  E apesar de todos os defeitos que Laura pudesse ter ela era uma boa garota, simpática, inteligente, sabia conversar, não era banal neste sentido.  Mas também não tinha rumo na vida, era mãe de quatro filhos (hoje ela já tem seis), não se importava com nada, tudo o que ela queria saber era de curtir a noite e tal.  Ela gostava de música sertaneja, forró, pagode essas coisas populares e desprezíveis, vivia freqüentando essas espeluncas chamadas de curvas de rio (lugar onde só pára tranqueira); mas era apaixonada pela vida a pobrezinha.  Acho que, no fundo, ela esperava encontrar um grande amor.  Quando nos conhecemos ela namorava um cara e até usava uma aliança de compromisso e nosso primeiro lance foi traí-lo, obviamente.  Alguns dias depois ela já estava terminando com ele por que estava apaixonada por mim e eu imediatamente saquei que tudo o que eu tinha que fazer era dar umas boas gozadas antes que ela se apaixonasse por outro.  O fato é que eu também estava curtindo ela, ela era uma garota legal, apesar de tudo e tudo o que a gente fazia depois de trabalhar o dia todo era sair e ir para algum bar onde pudesse se embebedar e se beijar e se amassar e ficar trocando umas ideias muito doidas que somente eu e ela é que sacávamos.  Certa noite, depois do trabalho, paramos num bar onde havia alguns conhecidos de Laura, estavam combinando de ir para algum lugar e Laura me disse; ei, vamos também.  E eu pensei, foda-se, vamos.  Entramos num fusca e fomos.  Éramos dois casais, nós e uma amiga da Laura com esse tal cara que era o dono do fusquinha.  O fusquinha tinha um puta de um equipamento de som fodido e tocava um funk desgraçado que nos deixava surdos.  Eu nem sabia onde estava indo, estava bebendo e fumando e beijando Laura sem parar o tempo todo.  Paramos num outro bar, tomamos umas cervejas, puxei Laura para um canto escuro, dentro de uma garagem e começamos a nos pegar.  Ela tirou o meu pau prá fora e um carro apareceu justamente naquele momento e justamente naquela garagem.  Imediatamente eu tive que guardá-lo e saímos de lá.  Voltamos para o bar e tomamos mais algumas cervejas, começamos a nos beijar de novo e a rolar pela grama em frente ao bar e todo mundo nos olhava e ria.  Depois de um tempo saímos de lá e um outro casal veio com a gente, estávamos todos apertados no banco traseiro do fusquinha, nem sei como é que cabiam quatro pessoas ali.  O som explodia nos nossos ouvidos: “NÓIA-TREMENDA PARANÓIA-NÓIA-TREMENDA PARANÓIA”.  O fusquinha fazia umas curvas doidas e eu metia o dedo na buceta de Laura e fazia ela gemer enquanto metia a língua na orelha dela e a beijava incessantemente.  Até que chegamos a algum lugar que eu nunca tinha ouvido falar antes, eu estava sem dinheiro e tiveram que me pagar a entrada, que doideira!  Dentro do recinto apenas esses pagodes miseráveis e eu juro por Deus, não havia mais nenhum branco lá, exceto eu.  Branco, usando camisa dos RAMONES, cabeludo, magricelo, usando ALL STAR e o lugar todo repleto de negros sambando. Eles passavam por mim e me olhavam estranho e se perguntavam quem é que tinha trazido aquele cara até ali.  Laura logo foi dançar com o dono do fusquinha enquanto eu fiquei trocando umas ideias furadas com a amiga dela e tentando arranjar um jeito de tomar uma cerveja.  Acabei encontrado um traficante lá da vila no recinto e o cara era o segundo branco além de mim naquele lugar.  Depois de um tempo saímos de lá e quando o dia estava amanhecendo eu estava fodendo Laura de quatro num quartinho da casa do tal dono do fusca que acabou fodendo a amiga dela. Que noite!
            Então eu finalmente tinha conseguido meu objetivo.  Tudo que me restava então era esperar que ela me desse um pé na bunda e encontrasse um outro cara melhor do que eu, mas incrivelmente parecia que ela ainda tinha um afeto por mim.  Sem contar que o ex-namorado dela vivia pelas redondezas sempre farejando uma possibilidade de fodê-la também.  Nesse mesmo tempo eu também ia dando um jeito de pegar a amiga dela que, diga-se de passagem, era outra putinha também.  Ela já tinha prometido que ia dar para mim, bastava surgir a oportunidade e o momento e; não sei, acho que Laura ficou sabendo disso ou ela contou a Laura, não me lembro muito bem, o fato é que Laura ficou puta da vida comigo e terminamos.  Ai eu comecei a pegar a tal amiga dela, Gislaine, uma negrinha muito gostosa.  Mas isso só durou uns tempos, logo eu e Laura estávamos nos amando novamente.  Escrevi um poema para ela chamado “Afugentando Sonhos” e ela ficou tão doida que acho que quase mijou na calcinha naquele dia.  Lembro-me que estávamos na rua quando lhe falei sobre o poema e ela quase teve um treco, me jogou contra o muro e exigiu que eu mostrasse para ela.  Laura apreciava essas coisas, era uma mulher delicada e de muita sensibilidade e inteligência, apesar de não ser muito culta.  Um dia, logo depois de sair do trampo, paramos num boteco, pedimos umas cervejas e ficamos trocando umas idéias loucas, daquelas idéias que somente a gente mesmo é que entendia.  Pedi um copo americano de conhaque com limão (eu curtia muito conhaque com limão e Laura gostava de tomar cerveja com sal), tomamos umas cervejas e continuamos um tempinho por ali conversando e se pegando.  Então eu tive a ideia de levá-la para casa e ela imediatamente topou.  Nos fundos da casa onde eu morava havia uma edícula de um cômodo e um banheiro onde minha cachorra dormia e onde eu tinha planejado fodê-la.  Foi delicioso.  Pus ela de quatro e meti gostoso, foi lindo.  Laura ficou surpresa por eu ter chupado a xoxóta dela, parece que nenhum homem antes a havia tratado daquele jeito.  Mais tarde quem iria se escandalizar com isso seria Gislaine que, ao saber disto iria me dizer que só me daria se eu não chupasse a xoxóta dela, não sei muito bem qual era a encanação com isso mas, para ela parecia quase um tabu.  Acho que não estavam acostumadas a amar daquele jeito e neste quesito eram muito limitadas ao coito em si.  Certas habilidades sexuais podem parecer escandalosas para algumas mulheres que não são muito criativas ou excessivamente reprimidas quanto ao sexo.  No dia seguinte, logo pela manhã fui até a padaria, comprei uns pães, mussarela, presunto e preparei um belo café da manhã para ela.  Mas enquanto Laura estava à mesa tomando o café eu a observei durante algum tempo enquanto ela se alimentava e pensei comigo que aquilo tinha de acabar logo.  Pensei isto em silêncio, mas jamais tive coragem de abandoná-la.  Ainda bem que ela era mais sensata do que eu e, de certo modo, creio que pensava o mesmo.  Já não havia mais nada para ser feito entre nós e Laura também havia percebido isso.  Tanto que pouco depois disso ela terminou comigo de uma vez e eu enchi a cara de conhaque e a mente de fumaça e chorei e reclamei e vomitei e contei esta história milhões de vezes para mim mesmo enquanto rastejava pelo chão e suplantava todos estes sentimentos ignóbeis.  O fato é que estas coisas todas me deixaram uma boa bagagem na vida, são materiais de reflexão em alguns momentos por que, afinal, isto tudo me tornou um cara muito mais experiente para relacionamentos posteriores. Evidentemente não aconselho ninguém a agir como eu por que certas atitudes como as minhas são apenas para quem tem peito de aço, nervos de ferro e coração forte mesmo.  Gislaine?  Não comi, me escapuliu pelos dedos; outro dia a vi passando pela rua com uma criança no colo, acho que nem me reconheceu.


                                                                                       
                                                                                              Morpheus 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

DOCE


Depois de alguns dias o sol finalmente voltou
sem pedir
nem exigir

Apareceu pelas quatro da tarde iluminando
e aquecendo as terras que esperavam seu calor,
clareando toda a dicotomia do ser
sem agredir
sem proferir

As boas coisas da vida
são para poucos privilegiados
ou poucos privilegiados
é que sabem aproveitar as boas coisas da vida?


                                                                Morpheus

domingo, 20 de maio de 2012

NO CALÇADÃO


Capturei ebúrneos gestos seus
na manhã que chovia
e depois perdi meu poema na rua
Recapturei alguma idiossincrasia sua
no ar da rua que não é mais rua
mas depois me esqueci
e calado me aborreci
Fui abordado pela saudade da sua carne
branca
e fiquei em silêncio na rua
que não é mais rua

                                            Morpheus

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O NERVO



       O nervo exposto da vaidade agora incha
       E o corte certo quase não provoca dor
       A soberba conspurcada tem fios cintilescentes
                                          para cortes iridescentes
                                          em nervos subjacentes
       E o nervo exposto da vaidade agora sangra
       E o furor é o sangue no coração acelerado
       E a ruptura é sempre uma dor excruciante
                                          e se espalha em ondas
                                          como o faz uma pedra
                                          que num lago é atirada


                                                                      Morpheus

domingo, 29 de abril de 2012

PELAS RUAS


Ando pelas ruas
e uma melancolia baila no vento

As reuniões se propagam
pequenas pândegas se alastram
abençoadas pelos arquétipos midiáticos de efêmera intensidade
A carne tem o sabor de verter sangue
e a cerveja sacia o que a rotina não expurga
enquanto eu ando pelas ruas
e uma melancolia baila no vento

Qual é a cidade
que está dentro da cidade?

Que gentes são estas
que caminham entre as gentes?

As confrarias aparecem
aqui e ali,
os comentários jocosos e as palavras conspurcadas de aleive
entretecem o pano do hodierno
que é sempre infestado de mediocridade
e saturado na falta de personalidade
A diversão é não ter consciência mas;
para que serve esta suposta consciência?

Ando pelas ruas
e uma melancolia baila no vento

                                
                                              Morpheus

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A OCASIÃO FAZ O LADRÃO



Ah o meu amigo X...  Há quanto tempo não o via!  Vou chamar-lhe X para preservar-lhe a identidade já que os acontecimentos que vou relatar tratam de fatos não muito comuns e até imorais.  Pois bem, encontrei-o num shopping ontem à tarde, justamente num shopping!  Eu não o reconheci de imediato, ele é que me viu e, de longe já abriu o sorriso para vir cumprimentar o amigo.  Estava um pouco mais gordo e mais velho, assim como eu, mas mantinha o mesmo sorriso jovial de sempre.  Eu depois de um instante logo o reconheci e imediatamente emendamos um bate papo de velhos amigos.  Fato este que me fez relembrar o acontecimento que dá nome ao conto, mas primeiro permitam que eu vos faça uma breve introdução a respeito X.
            X havia estudado na mesma escola que eu durante o colegial e era um pouco mais velho do que eu.  Morávamos muito próximos e consequentemente tínhamos uma forte amizade, de modo que passávamos muito tempo juntos.  Tínhamos nosso próprio time de futebol, o Estrela Azul (numa outra oportunidade contarei a história do Estrela Azul), andávamos juntos para todo lugar, fazíamos festas, ás vezes conseguíamos pegar umas garotas mas naquela época não era fácil.  Até por que éramos muito tímidos e desengonçados e como todo mundo é; já foi ou será adolescente um dia saberá  entender muito bem o que é que eu estou falando.  Depois cada um seguiu seu rumo na vida, eu fui estudar literatura, casei, descasei, casei de novo, tive filhos, assim como X que me contou que a virada em sua vida aconteceu quando ele conheceu sua atual mulher cujo nome creio não ser necessário narrar aqui.  X me contou que havia trabalhado por seis longos anos no departamento pessoal de uma metalúrgica, emprego que largou para agenciar a mulher e uma série de sites pornôs na internet!  Entre outras coisas era também dono de uma sex-shop ali mesmo no shopping onde estávamos e dono de uma produtora de filmes pornôs.  X sempre foi meio maluco mesmo!  Uma figura!  Contou-me que tudo havia começado quando ele resolveu por a mulher pra trabalhar – ela dá o rabo e eu é que encho o bolso háháháháháhá – e o pior é que o cara me falava isso como se fosse a coisa mais natural do mundo!  Dá prá acreditar?  X me explicou que não esquentava por que ela também permitia que ele saísse com outras mulheres e que ele também participava de alguns vídeos com ela e com outras mulheres, enfim, aquilo tudo me pareceu ser uma putaria total.  Mas X parecia estar muito feliz e se dando bem naquela vida incomum.  Deu-me um cartãozinho e me disse que em breve seriam sorteados alguns internautas para participar da gravação de um vídeo com a mulher dele, mas que sujeito mais espirituoso!  Eu respeitosamente guardei o cartãozinho com a intenção de jogá-lo fora depois para não ter conflitos com minha mulher em casa.
            Logo em seguida o próprio X acabou relembrando o episódio que agora vos relato:
            Era um domingo e nós passeávamos pelo shopping na esperança de encontrar algumas “minas”, que era a mais nova gíria que usavam no começo dos anos noventa (ou final dos oitenta) para se referir as garotas. O shopping também era novo na cidade e nós éramos uns bobocas punheteiros doidos prá pegar mulher.  Aquilo tudo era uma novidade na época, o shopping, as lojas, a possibilidade de arranjar umas namoradas, enfim.  E nós éramos aventureiros sedentos por novidades.  Curtíamos Guns and Roses, Metallica, Alice In Chains, Legião Urbana, Engenheiros do Hawai; essas coisas. Jogávamos super nintendo até acabar com as digitais dos dedos.  Éramos doidos prá ter uns tênis de marca, mas nossos pais só compravam aquelas falsificações fajutas e nós tínhamos que usar por que, afinal não tínhamos outra coisa para calçar.  Íamos à pé mesmo ao shopping por que ele não ficava muito distante do bairro onde morávamos.  Naquele domingo o shopping estava praticamente vazio e nós perambulávamos por ali jogando conversa fora e dando uma espiada nas montras que exibiam as mais novas marcas de roupas de surf daquela época, aquilo tudo era um novidade e tanto prá gente.
            Foi quando, ao se aproximar da porta de vidro de uma daquelas lojas, de repente X notou que ela parecia não estar trancada e chamou minha atenção.  Forçamos um pouco a porta de vidro e ela se abriu.  Fechamos rapidamente a porta e saímos dando risada mas ao mesmo tempo meio assustados.  Então X lançou a ideia do furto no ar e rapidamente nos apegamos a ela.  Demos uma volta pelo shopping e traçamos nosso plano.  X ainda não acreditava que eu teria coragem de entrar lá dentro e surrupiar uns bonés prá gente.  Então combinamos que X ficaria vigiando e eu entraria lá dentro para pegar os bonés.  Ainda estávamos um pouco desconfiados de haver câmeras pelo shopping, mas o fato é que tivemos muita coragem.  E lá fomos nós.  Aproximamo-nos com cautela da loja e esperamos que um pequeno grupo de pessoas se afastasse para pôr o plano em prática.  X se encostou na vitrine e ficou vigiando o corredor.  Eu empurrei as portas e entrei, rapidamente alcancei o boné que eu queria e depois o que X havia escolhido, ainda tive tempo de enfiar a mão por baixo de uma das prateleiras e pegar uma carteira novinha em folha para mim.  Pus o meu boné dentro da calça e escondi a carteira num dos meus bolsos, sai e fechei a porta de vidro com cautela.  Dei o boné a X que o escondeu nas calças e saímos rapidamente de lá.  Afoitos e nervosos descemos a escadaria e nos dirigimos para a saída quase sem falar um com o outro, coisa de louco cara!  Temíamos ser perseguidos por algum dos guardas do shopping mas o fato é que em pouco tempo já estávamos fora do shopping e atravessando a rodovia Raposo Tavares para voltar para casa.  Ufa, que maluquice!  X ria o tempo todo e arregalava os seus olhos enormes e redondos dizendo que ninguém jamais iria acreditar se contássemos a história.  Quando chegamos à casa de X ainda cogitamos a ideia de voltar lá e roubar umas roupas, mas tudo isso ficou somente na conversa, o fato é que não éramos ladrões de verdade, mas apenas de ocasião, como lhes disse.  Éramos razoavelmente inocentes e pouco ambiciosos, tanto que nos contentamos apenas com uns bonés.  Hoje percebo que foi apenas um desses episódios incríveis que se vive na vida.  O fato é que eu ainda tenho aqui comigo o cartão que X me deixou e; quem sabe eu não resolva me inscrever no tal sorteio...


                                                                                                                   Morpheus

terça-feira, 10 de abril de 2012

SONETO DE REPUGNA

Se contorce na volúpia do momento,
se regala no acúmulo do capital
como um vil demônio agourento
que esbraveja neste país tropical

Se revigora na opulência do dinheiro
enquanto empobrecem as virtudes pessoais
À ignomínia se entrega por inteiro
e, aparentemente, sobrepõem-se aos demais

E segue assim em suas sendas
de manhã, à tarde e à noite
só lhe restam improfícuas vendas

E segue assim sua vida
como pestilento cão
lambendo a própria ferida

                                                                    Morpheus

sexta-feira, 30 de março de 2012

DISPARATES

Na pressa do passo
expresso o passado
lembrança...

Expresso é o passo
não pondera o passado
nem expressa, não expressa
tem pressa

e espasmos sem peias
das pontes sem portas
e tudo que exortas
confortando o coração
na pressa a sublimação

a pressa
expressa
passa
esquece

esquece o Estado falido
que não ajuda e até atrapalha

Espalham-se pelas ruas como um líquido por frestas
as crianças sem herança
e a pressa
não interessa
mas é sempre essa
a pressa

Amargos ferimentos nos muitos contratempos
e as baratas trêmulas
lutando pela vida
assustando Dona Cida
que eu nem conheço
mas que reconheço
ser alguém muito melhor do que tudo que escrevi

tenho pressa
por que já nada me interessa
nem mesmo essa
guria que se estressa

então me expresso
apressado
mas não me estresso

ora, ora...

                                                                Morpheus

terça-feira, 20 de março de 2012

NA MANHÃ QUENTE

Acordo na manhã quente com o coração luxurioso
sentindo a dureza pétrea de meu endurecido falo
Imediatamente encontro teu rabo e te empalo
num movimento fremente, louco e muito gostoso

Mordo os seios com a fome primitiva e ancestral
sou escravo e o desejo da carne me governa
Retiro o falo e o enfio com prazer noutra caverna
e cavo, procuro o gozo para saciar o desejo infernal

A jactância da delícia é meu deleite
ela quer, eu sei que quer
Eternamente a quentura do meu leite

O atrito é cada vez mais evidente
e sem mais poder me conter
Gozo na buceta minha porra quente

                                                                           Morpheus

sábado, 10 de março de 2012

GATO E RATO

            Acordo de madrugada ouvindo uns ruídos estranhos.  A boca seca.  Ressaca, um calor infernal.  Parece que tem alguém na garagem.  Levanto-me de repente, vou até a cozinha de onde posso avistar a garagem pela janela.
            Há um homem na garagem.  Um ladrão filho da puta!  O susto faz meu coração disparar, fico tremendo.  O desgraçado está fuçando nas minhas coisas.  O que procura?  Fico observando-o durante algum tempo sem saber muito bem o que fazer.  O elemento parece ser um pouco mais baixo que eu e naquele calor dos infernos parece estar usando uma jaqueta.  Chamo a polícia?  Ando devagar até o armário enquanto um arrepio percorre minha espinha, abro a gaveta devagar e começo a procurar uma faca e então ele, de lá da garagem para de fuçar nas minhas coisas.  Levanta a cabeça, olha para os lados, parece ter ouvido o barulho que fiz na gaveta.  Meu coração dispara, mas não me importo, continuo procurando a faca sem tirar os olhos do filho da puta que parece se esforçar para ver através da janela.  Estará me vendo?
            Encontro a faca!  Estou arrepiado de medo e de raiva.  Maldito desgraçado, por que veio me roubar?  Ele está parado lá do outro lado, em silêncio, olhando através da janela, acho que já percebeu que eu estou na cozinha.  Por um instante, parece que estamos nos medindo.  Aproximo-me da parede e acendo a luz da garagem.   Ele desaparece pelo portão da frente.  Rapidamente encontro a chave e abro a porta, saio lá fora suando como um porco e morrendo de medo e de raiva.  Me aproximo com cautela do portão.  Seguro a faca com força.  Ele pode estar perto do muro, do lado de fora, apenas esperando para me acertar.  Devagar eu abro o portão pronto a golpeá-lo com a faca.  Mas ele parece não estar por ali.  Saio na calçada.  Ele está na esquina.  Parado.  Será que espera que eu volte para dentro e chame a polícia?  Será que pensou que eu ficaria com medo dele?  Mas que diabo!  Ele está parado lá, me encarando.  Filho da puta!  Não tem medo?  Pois bem, eu também não.
            Começo a andar na direção dele.  E ele começa a andar de costas sem deixar de me encarar de longe.  Começo a andar mais rápido e ele se vira e começa a andar mais rápido também.  Começo a correr e ele também começa a correr.  Ele corre na direção de um ponto de ônibus, mas não há ônibus nenhum àquela hora da madrugada.  E eu o persigo por uns duzentos metros correndo atrás dele e ele fugindo de mim.  Até que ele dobra uma esquina.  E eu vou ficando cansado, estou morrendo de sede.  Ressaca desgraçada!  Chego até a esquina e ele está parado lá no meio da rua, uns cinqüenta metros à minha frente.  Encosto uma das mãos no muro, respirando a grandes haustos enquanto o desgraçado me observa de longe.  Parece estar sorrindo.  Mas não consigo enxergar direito seu rosto.  Estou quase sem ar.
            Então de repente ele começa a andar na minha direção.  E eu começo a andar de costas para trás sem deixar de encará-lo.  Acho que estou cansado demais para encará-lo, ou estaria apenas com medo?  Ele começa a andar mais rápido.  E eu também começo a andar mais rápido.  Ele começa a correr e eu também começo a correr.  Meu Deus do céu, o que estou fazendo?  O maldito filho da puta está me perseguindo!  Mas eu corro, corro como nunca antes corri em minha vida, corro sem olhar para trás.  Corro até o ponto de ônibus e quando dou uma olhada para trás ele desapareceu.
            Desapareceu?   Para onde terá ido?  Estou pingando de suor.  Sento-me no ponto de ônibus para tomar um ar e recuperar minhas forças.  Olho incrédulo para a rua de onde vim correndo e eis que ele surge novamente na esquina.  Está brincando comigo; idiota!  Quer ver se tenho coragem.  Mas agora eu decido não fugir mais, vou lutar com ele, matar ou morrer.  E fico ali esperando, mas ele não vem.  Apenas observa de longe.  Que coisa!  Mas o que esse desgraçado quer afinal de contas?  Qual é a dele?
            De repente ele recomeça a andar na minha direção.  Levanto-me do ponto de ônibus e o encaro.  Ele pára.  Estamos num impasse.  Filho da puta!  Ele permanece parado, parece estar esperando que eu corra atrás dele de novo.  Por quê?  Faço sinal com as mãos para que ele venha me encarar.  Mas ele não vem.  Continua ali parado o desgraçado.  Continua me encarando de longe.  Estará esperando que eu corra atrás dele de novo?
            Então ele se vira de costas e vai embora.   
                                                

                                                                                        Morpheus

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

SOBRE O CHORO E AS COISAS QUE ESQUECI

O choro de agora não é o mesmo de outrora
como agora não espero que antes esperava
o chorinho que eu curtia me acompanhou até o lado de fora
onde esqueci em que pensava e tudo aquilo que esperava

É claro, muda o choro como muda o pensamento
que esquece o que queria dizer ou sobre o que falava
e é claro que quando saí percebi que era o momento
em que me confundi naquilo em que me empenhava

Então tudo só pode acabar de modo confuso;
por que as coisas na vida ás vezes
são confusas, assim como este poema difuso

O chorinho ainda é e sempre será o choro
embora a cada momento seja uma emoção diferente
do modo como, um dia, foi para toda esta gente...

                                                                                             Morpheus

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

PROMESSA

Minha mente é um limbo atemporal
É um ermo crepuscular
Por onde costumo andar
Quando não estou em horário comercial

Minha mente me prepara armadilhas
Me trata como um tolo
Nisto se vê maledicência e dolo
Mas, obstante, ainda encontro redondilhas

Ainda sou capaz de encontrar a saída
Que me leva
De volta à minha vida

Ainda sou capaz de terminar o soneto
E cumprir
Tudo aquilo que prometo

                                                               Morpheus

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

DIAS NUBLADOS

Primeiro Dia

            O primeiro dia era para ter sido, apesar de todo o nervosismo e de toda a expectativa de Firmino, bom.  Bom como são todos os primeiros dias em todos os empregos que se consegue, não é mesmo?  Mas infelizmente, no caso de Firmino, as coisas não foram bem assim.  Também não posso dizer que tenha sido ruim; posso apenas dizer que foi um primeiro dia um tanto incomum.  Quando chegou ao restaurante para o seu primeiro dia de trabalho podia-se perceber em seu rosto macilento a típica expressão do homem do campo; aparentemente ingênuo, curioso, um pouco desconfiado talvez mas muito disposto.  Alguém que chegava de peito aberto e com toda a coragem para se meter na vida urbana.  Na maneira introvertida como chegou ao dono do restaurante para lhe falar não se acreditaria que fosse ele, Firmino da Silva Antunes, o sujeito certo para o trabalho.  Teria de usar uma placa nas costas com o endereço do restaurante pintado em letras garrafais, ir até o meio do calçadão onde a plebe se perdia e se encontrava e sair anunciando com brados eloqüentes:

                         “Prato feito a quatro e cinqüenta
                           cabe tanta comida que você nem aguenta
                           vira a próxima a direita no número cento e setenta”

            Foi um susto quando ele soltou o vozeirão no meio do restaurante para mostrar ao chefe que podia e sabia como fazer o trabalho.  O chefe desmanchou-se num sorriso encharcado e disse apenas que o emprego era dele, arrumou tudo, deu-lhe a placa para carregar nas costas, um café da manhã com pão, manteiga e café com leite e o mandou para a rua.
            E lá se foi Firmino com a cara, a coragem e a placa nas costas.  Logo ao sair do restaurante já começou a gritar para todos os lados com sua voz sertaneja, o estranho slogan do restaurante.  Passou por algumas ruas, dobrou uma esquina com toda a felicidade que o começo de uma nova vida e um novo emprego podem trazer.  Ao chegar ao calçadão sentiu-se absolutamente confortável no meio do povo que ia e vinha sem parar, sentiu até vontade de pegar seu violão e cantar uma canção caipira como as que costumava cantar em sua terra.  De vez em quando uma pessoa parava e perguntava a ele sobre o restaurante e ele se desdobrava em explicações e elogios, ensinava o caminho com gestos na maior dedicação.  E assim o dia transcorreu tranqüilo até as três da tarde, hora que havia sido marcada por seu patrão para que Firmino pudesse almoçar e repor suas energias.  Voltou ao restaurante e pôde experimentar o produto que estava oferecendo ao povo, achou que a comida caseira de sua mãe era melhor que a do restaurante porém, agiu com diplomacia e elogiou o sabor da comida.
            Regressou caminhando tranquilamente, olhando ao redor, palitando os dentes, fazendo a digestão e parou finalmente no calçadão para recomeçar seu trabalho.  Deu uma leve tossida, cuspiu para limpar a garganta e recomeçou a gritaria rimada, pois o restaurante também servia jantares.  A alguns metros dali três guardas conversavam e logo que Firmino começou a gritar eles vieram pressurosos em sua direção e ordenaram que ele parasse, pediram os documentos e, de um modo muito impessoal fizeram várias perguntas.  Puxaram sua ficha criminal pelo rádio mas nada encontraram por que afinal Firmino era um homem de bem.  E como não restava nenhuma alternativa para incriminá-lo começaram a inquiri-lo quanto a uma tal licença para fazer a promoção do restaurante no calçadão.  Ele disse que não tinha e quando ia acrescentar algo foi interrompido por outra pergunta sobre o tempo em que já estava ali antes da chegada deles.  Firmino explicou tudo e também falou que aquele era o seu primeiro dia no emprego, mas eles replicaram que isso não interessava a eles e nem a ninguém.  Que era preciso ter licença junto à prefeitura e cadastro junto ao governo do estado para então ter o direito de ser registrado oficialmente em carteira naquela função e consequentemente poder exercer tal trabalho de acordo com a lei e todos os seus infindáveis pormenores.  Mas ele não tinha nada com isso, era seu primeiro dia no emprego, ele apenas cantava algumas músicas sertanejas em sua cidade natal e tinha conseguido aquele emprego apenas por que conseguia gritar bem alto para todos ouvirem e, além de tudo já estava desempregado a dois meses na metrópole, precisava trabalhar, precisava sobreviver.  Os guardas apenas lhe disseram que não podia continuar ali e Firmino pediu para que eles o acompanhassem até o restaurante a fim de prestar maiores esclarecimentos sobre a sua real situação mas eles disseram que não.  Não podiam abandonar seus postos por motivos frívolos.  Os guardas então ordenaram a Firmino que retornasse ao referido restaurante e explicitasse o motivo de seu retorno explicando ao seu patrão que era proibido fazer aquele tipo de promoção sem a licença municipal, registro estadual, qualificação específica para a função que exerceria e; naturalmente o registro em carteira.  E foi exatamente isso o que Firmino fez quando chegou desconsolado ao restaurante, porém o dono do restaurante ignorou completamente tais argumentos e o convenceu a voltar lá e recomeçar tudo de novo, pois os policiais só estavam sendo hostis por que ainda não o conheciam e ainda não tinham se familiarizado com ele, que ele já não deveria temer por que eles já tinham ido embora e ele poderia voltar lá e continuar seu trabalho.  De volta ao calçadão e já pensando que a vida naquela cidade parecia ser muito complicada, Firmino olhou pelos arredores e como não avistou os guardas seguiu a orientação de seu patrão, recomeçou a gritaria novamente e trabalhou até as sete como havia sido combinado.  Quando ia voltando para o restaurante avistou um carro da guarda municipal passando pela rua e ficou apreensivo, fez o sinal da cruz, abaixou a cabeça e seguiu com toda seriedade sem olhar para os lados.  Ao retornar ao restaurante deu com o patrão feliz da vida contando um maço de dinheiros.  Já o patrão ao vê-lo guardou o dinheiro rapidamente e sorriu com o canto direito da boca, Firmino tinha quase certeza que aqueles cabelos negros e lisos de seu chefe eram uma peruca, mas por discrição é claro, não disse nada a respeito disto.  O homem coçou o bigode de um modo estranho e lhe perguntou sobre o dia de trabalho.  Firmino disse que tinha sido bom, que estava gostando e que, fora o episódio com os guardas tudo tinha sido ótimo.  Seu chefe deu-lhe um amistoso tapinha nas costas e desejou-lhe um bom descanso.


Segundo Dia

            O dia amanheceu escuro através do vidro embaçado da janela do pequeno apartamento que Firmino alugara para começar sua nova vida na gigantesca metrópole.  Uma preguiça matinal o manteve deitado na cama olhando para a janela até que faltassem apenas dez minutos para chegar ao emprego; fato que não o atrapalhava em nada pois o apartamento ficava a apenas duas quadras do restaurante.  Por fim ele saltou da cama de chofre e começou a vestir-se.  E enquanto ia se arrumando com pressa, pensava se ia poder trabalhar no meio da chuva ou se teria de ficar talvez preso no restaurante e fazendo algum outro tipo de trabalho por lá.  Chegou mesmo a cogitar não ir ao trabalho naquele dia, mas imediatamente reconsiderou crendo que seu patrão certamente daria um jeito, pois tudo levava a crer que choveria naquele dia.  Firmino imaginou que talvez o homem lhe arranjasse um simplório guarda-chuvas.  E foi quase isto mesmo o que se deu.  Quando avistou Firmino, da frente do restaurante o homem de cabelos estranhamente lisos já segurava nas mãos uma capa de chuva que tinha o nome do restaurante estampado nas costas.  Bem, pelo menos Firmino não teria de carregar aquela placa pesada nas costas.  Firmino sorriu com toda a sinceridade de homem simples e depois de saborear seu pão com manteiga e café com leite com alguma voracidade, seguiu seu caminho dentro da capa.  Enquanto caminhava para o calçadão e olhava para o céu nublado e negro com várias tonalidades cinzentas de nuvens Firmino divagava.  Olhava para o céu através dos edifícios e meditava silenciosamente sobre sua nova vida.  Agradava-lhe muito o fato de sentir-se útil novamente depois de um tempo sem conseguir emprego, alimentava muitas esperanças naquele recomeço longe de tudo.  Mas não deixava de imaginar como estavam as coisas em sua terra natal e começava a embriagar-se numa nostalgia cabocla quando finalmente chegou ao calçadão e despertou de seus devaneios.  Quando começou a gritar esqueceu-se de tudo e até alegrou-se um pouco.  Começou a brincar com as pessoas que por ali passavam, inventou novas maneiras de falar do restaurante e até esqueceu do céu escuro sobre sua cabeça.
            Até que veio a chuva trazendo com ela também o frio e afastando as pessoas das ruas.  Firmino ficou quase sozinho no calçadão, longe de seu mundo e de sua família, longe de sua terra, com frio e melancólico.  Voltou ensopado ao restaurante para o almoço e justamente neste horário foi que a chuva aumentou.  Os pingos caiam fortes e vigorosos.  Então o dono do restaurante disse a Firmino que fosse embora para casa, pois naquele dia não dava mais nada, iria chover o dia todo.  Como não restava mais nada mesmo a fazer, Firmino almoçou e foi embora taciturno enquanto a chuva forte tinha se tornado chuvisqueiro teimoso e contínuo.


Terceiro Dia

            Da cama Firmino observava os tons cinzentos que transpareciam através dos vidros embaçados da pequena janela.  O dia amanhecera nublado mais uma vez e isso o decepcionou um pouco.  Mas Firmino não era de perder tempo, por isso se levantou antes que o despertador começasse a fazer barulho, pois praticamente não dormira à noite.  Foi até a janela e a abriu para ver como estava o céu.  As nuvens escuras tomavam todo o céu escurecendo o dia.  De qualquer modo Firmino ainda sentia muita vontade e disposição para ir trabalhar, passara a noite toda imaginando novas maneiras de falar ao público sobre o restaurante e agora se deparava com a carranca cinérea de um céu sombrio e zangado.  Mas uma brisa leve veio bater-lhe no rosto caboclo e reanimá-lo, uma brisa que o fez lembrar-se de seu pai.  Seu pai sempre dizia que; quando está ventando não chove.
            Fechou a janela rapidamente, vestiu-se e saiu sem lavar o rosto.  Ao chegar ao restaurante foi recepcionado pelo sorriso mais jovial e demoníaco que seu chefe poderia lhe oferecer.  Tomou seu café magro, trocou algumas palavras rápidas e saiu para a rua todo feliz enquanto seu chefe comentava com o cozinheiro purulento que estava ao seu lado:
  - Tá vendo, é por isso que eu contrato esses caipiras, trabalham como cavalos e nunca reclamam de nada.
            Logo que chegou ao calçadão Firmino deu uma boa olhada para os lados para ver se algum daqueles guardas do outro dia estava na área para apoquentá-lo e como se certificou de que nenhum deles estava por perto começou a gritaria.  E assim as horas foram passando tranquilamente até que de repente três deles surgiram Deus sabe de onde e vieram imediatamente na direção de Firmino.  Não eram os mesmos do outro dia mas fizeram quase as mesmas perguntas, um deles que parecia ser o mais velho e usava bigode e já tinha os cabelos um pouco grisalhos, parecia estar no comando enquanto que os outros dois eram apenas brutamontes pouco inteligentes que quase não diziam nada mas que, no entanto, encaravam Firmino com hostilidade a fim de intimidá-lo obviamente.  Indagaram-no quanto a certo alvará e ele mais uma vez disse não saber do que é que se tratava.  Explicaram-lhe novamente as mesmas coisas que ele já ouvira da outra vez, porém com poucas palavras e de modo mais sisudo o mandaram de volta ao restaurante.  Como não havia alternativa Firmino voltou ao restaurante e explicou tudo mais uma vez ao incrédulo e febril patrão que quase arrancou a peruca, arregalando os olhos e fazendo uma pergunta demasiadamente enigmática e estranha para Firmino:
  - Ih!  Que dia é hoje Firmino?
  - Hoje?
  - É; hoje!
  - Hoje é dia...
  - Dia dezesseis chefe – gritou o cozinheiro purulento que se aproximava trazendo um prato que exalava um aroma suculento para seu chefe que esperava com os dedos cruzados uns sobre os outros sobre a mesa.
  - Quantos eram Firmino?
  - Três.
            O patrão de Firmino parecia ter sido mordido ou picado por algum animal no momento em que ouviu a resposta e levantou-se de supetão.  Foi até os fundos do restaurante entrando pela cozinha e deixando-o atônito sem nada entender.  Depois de alguns minutos voltou aparentando mais calma, sentou novamente à mesa, comeu um pouco da comida e depois encarou Firmino e fez uma cara de quem se recorda subitamente de algo.  Colocou algumas notas sobre a mesa e fitou-o novamente dizendo:
  - Pegue esse dinheiro e guarde com você agora.
            Firmino concordou com um gesto de cabeça mas continuou hesitando e encarando-o até que ele disse com força:
  - Agora!
            Firmino pegou o dinheiro em silêncio e o guardou no bolso da calça.
  - Se eles vierem importuná-lo de novo, dê esse dinheiro a eles, entendeu?
            Firmino aquiesceu apenas com um gesto de cabeça.
  - Então pode ir.
            E lá se foi Firmino para o trabalho outra vez.  Entretanto a desconfiança agora pairava em seu pensamento.  Firmino podia ser simples, mas não era bobo, o que era, afinal de contas aquele dinheiro?  Ele não gostava muito daquilo tudo, as coisas de repente pareciam estar ficando diferentes demais para ele e Firmino não gostava de coisas muito complicadas que fugiam de seu entendimento.  Mesmo obstante seguiu desconfiado debaixo daquele céu tão nublado e imóvel enquanto o vento despenteava seus cabelos.  Transtornava-o o fato de os guardas sempre se preocuparem com a presença dele no calçadão e preocupava-o muito a quantia que carregava no bolso.  Contou seis notas de cinqüenta no bolso e logo concluiu que deveriam ser duas para cada um dos guardas, ou seja, cem reais para cada um deles.  Será que o dono do restaurante estava devendo a eles?  Será que essa quantia era o tal do alvará?  Aquilo tudo não lhe cheirava bem.
            Ao chegar ao calçadão respirou fundo, benzeu-se, deu uma olhada ao redor, depois deu uma olhada no relógio e constatou que faltavam ainda quarenta e cinco minutos para o seu almoço então recomeçou seu trabalho ignorando a fome que já começava a incomodá-lo.  Distraiu-se e quando se deu conta novamente já havia passado quinze minutos do horário do seu almoço e como, “graças à Deus” os guardas não tinham aparecido para incomodá-lo, pôde retornar ao restaurante e almoçar.  Durante a refeição relatou ao chefe que os guardas não tinham aparecido desta vez e que tudo tinha corrido normalmente.  O chefe coçou a cabeça e disse para ele ficar com o dinheiro para o caso de eles voltarem a aparecer mas que, se eles não viessem bastava ele devolver-lhe o dinheiro no fim do expediente.  Depois de descansar um pouco Firmino novamente se pôs a caminho do calçadão enquanto o vento vinha frio pelas ruas e o céu permanecia escuro e fechado.
            Pouco tempo depois, quando Firmino já havia até mesmo se esquecido do incidente da manhã e até mesmo da existência dos tais guardas pelas redondezas; sentiu uma mão forte apertando seu braço esquerdo com muita firmeza.  E antes mesmo que pudesse se virar para ver quem era sentiu alguém tocar seu ombro direito e à sua frente surgiu uma policial loura e baixa que foi logo interrogando-o.  Firmino imediatamente ficou com o rosto vermelho como um pimentão, ficou muito nervoso mesmo!  Ele estava cercado por mais dois outros guardas estranhos e essa policial que o tratava como se ele fosse um marginal.  Os dois guardas, um muito magro e alto, o outro mais baixo, forte, moreno; seguravam seus braços e o encaravam com raiva enquanto a mulher que era um pouco mais baixa que ele, apontava-lhe o dedo na cara e falava sem parar.  Firmino estava tão nervoso que mal conseguia compreender as coisas que a mulher falava para ele mas, tentou manter a cabeça fria e ficou em silêncio olhando para ela que lhe pareceu querer ser homem também.  Enquanto ela falava ele pensava já no dinheiro que trazia consigo e só esperou ela pronunciar a palavra “alvará” , para Firmino responder que tinha, que estava no bolso de sua camisa e que se o soltassem seria fácil entregar para ela.  A mulher parou ao ouvir estas palavras da boca de Firmino, pareceu surpreender-se mas não disse nada, apenas fitou-o nos olhos e neste momento ele pôde perceber que ela suava muito logo acima dos lábios e na testa.  Parecia nervosa, eufórica, esquisita.  Então de repente ela enfiou a mão no bolso da camisa dele e retirou as notas.  As exibiu com sarcasmo e certo ar de pilhéria para os outros dois que riram.  Depois contou o dinheiro, deu cem para cada um e guardou cem com ela.  Deu um pisão no pé de Firmino e se aproximou de seu rosto, encarando-o e disse:
 -  Obrigado.
            Então começaram a arrastar Firmino que começou a se bater e a gritar dizendo que era trabalhador, que só estava trabalhando, que não estava fazendo nada de errado, mas bateram em seu rosto e algemaram-no.  Começou a se formar uma platéia de curiosos ao redor deles (é sempre assim), as pessoas olhavam com curiosidade aquela cena enquanto ele ainda se debatia e gritava como um animal capturado.  E enquanto ia sendo arrastado Firmino também se lembrava de sua família, no desespero lembrava-se de sua mãe, de sua terra natal, sua viola, na injustiça que estavam fazendo com ele, oras; mas por que é que estavam fazendo isso com ele?  Por que o estavam prendendo?  Ele não merecia isso, não merecia ser tratado como se fosse um marginal qualquer.  E pensava no dono do restaurante que não aparecia para resolver aquilo tudo, pensava no maldito dinheiro que os guardas tinham embolsado e falava e gritava e batiam-lhe até que, depois de o terem arrastado por um bom pedaço, chegaram ao camburão.  Mesmo obstante, o pobre Firmino ainda resistia, pois seu coração estava cheio de revolta e ele se debatia, chorava e gritava enquanto os guardas se esforçavam para controlá-lo e dominá-lo, mas ele não se entregava.  Firmino gritava que era trabalhador se debatendo esse machucando e chamando a atenção de todos ao redor até que os guardas o obrigaram a ficar de joelhos e o seguraram pelo pescoço enquanto a policial com jeito de querer ser homem o amordaçou!  Jogaram Firmino dentro do camburão como se ele fosse um criminoso qualquer e arrancaram violentamente com o carro.  Enquanto as lágrimas escorriam de seus olhos toscos, passaram pela rua do restaurante e ele pôde ver o dono do estabelecimento colocando uma placa de “precisa-se” na parede.  Firmino não compreendia o que tinha acontecido e nem aceitava tudo que lhe tinham feito.  Mas tudo que ele podia fazer agora era chorar como chora uma criança.
            Jogaram Firmino numa cela fedorenta de onde pôde ver entre as grades, o tempo se abrindo e o sol aparecendo...então não soube se ele vinha para amenizar ou apenas iluminar sua desgraça.  Mas, naquele momento, soube apenas que seu pai sempre teve razão, pois não choveu naquele dia.

                                                                                                              Morpheus