domingo, 21 de agosto de 2011

O NOCAUTEADOR

  Nilson havia sido pugilista.  Em seu currículo constam apenas treze lutas profissionais; oito vitórias, tendo sido cinco por nocaute e cinco derrotas sendo que em duas delas Nilson houvera beijado o chão.  Jamais havia empatado uma luta.  De qualquer modo; ainda hoje Nilson se orgulhava muito disto.  Arrependia-se de ter interrompido sua carreira de modo tão estúpido.  Disto arrependia-se até o seu último fio de cabelo.  Envolvera-se num assalto onde alguns policiais haviam sido baleados e outros mortos e isto; além de custar-lhe a carreira como boxeador também o havia obrigado a passar mais de vinte anos na cadeia sem contar um ferimento à bala na coxa que doía um pouco toda vez que fazia esforço.
  Mas isso tudo havia começado na década de setenta.  Depois da cadeia Nilson viajou por muitos estados.  Trabalhou em muitos empregos miseráveis e veio estabelecer-se em Curitiba onde trabalha carregando caminhões com cimento.  Hoje o encontramos parado em uma esquina qualquer.  Tinha vindo ao centro gastar seu suado dinheiro com algumas roupas e sentia-se entediado; por isso tinha tomado algumas cachaças.  Havia momentos em que Nilson pensava que sua vida podia ter sido diferente se não tivesse se envolvido em coisas tão erradas e isso o fazia lamentar-se muito, mas em silêncio.  Era o tipo do cara que não falava muito e ruminava suas angústias sozinho.  Mas mesmo hoje, aos cinquenta e seis anos, Nilson se perguntava se ainda seria capaz de derrubar algum adversário no ringue.  Nilson tinha certeza de que ainda tinha bons reflexos e o trabalho como carregador de cimentos o matinha em forma.  Nilson pesava mais de cem quilos, era um peso pesado.
  No mesmo momento em que encontramos Nilson parado numa esquina do centro de Curitiba dois guardas municipais se aproximam caminhando.  Nilson os vê de esguelha e crispa as mãos com força.  De repente Nilson tem uma ideia.  Deixa sua sacola no chão e se vira para avaliar melhor os guardas que se aproximam.  Dois magricelas; ele pensa, deviam pesar no máximo entre sessenta e cinco ou setenta quilos cada um deles.  Dois otários; ele pensa.  Nilson nunca gostou de policiais e depois de levar algumas surras e de ser seviciado por algum tempo no cárcere esta implicância apenas havia se agravado.  Calculou que estavam mais ou menos entre meio médios ou meio médio ligeiros se fossem pugilistas e imaginou que talvez não fosse muito dificíl derrubá-los desde que fosse rápido e preciso, é claro.  Nilson carregava facilmente dois sacos de cimentos na cabeça e aqueles dois policias que vinham caminhando eram pouco mais de dois sacos de merda, ele pensava.  Virou novamente olhando para a rua e se manteve estático como se estivesse muito distraído.  Poder-se-ia mesmo dizer que tratava-se apenas de um merencório descansando um pouco ali naquela tarde banal.
  Mas quando eles passavam bem diante dele Nilson golpeou o mais próximo com um direto de direita bem no meio do nariz e colocou-o para dormir imediatamente no chão com o nariz ensanguentado.  O segundo se afastou um pouco e ficou boquiaberto com o que Nilson havia feito.  Nilson deu dois passos na direção deste que tentava ligar o rádio para pedir reforços, mas não houve tempo.  Nilson ameaçou outro direto de direita e quando o guarda levantou o braço para se proteger foi atingido violentamente no queixo por um gancho de esquerda que arrancou alguns dentes e o fez dormir no chão ao lado de seu colega de trabalho.
  Nilson observou algum tempo os dois idiotas estendidos no chão e pensou consigo mesmo que ainda conservava os mesmo reflexos de 1976.  Pegou sua sacola e foi embora caminhando lentamente.