quarta-feira, 30 de novembro de 2011

INTOLERANTE

            As brumas e o vento caminham juntos pelo universo.  Diante dos olhos vazios da noite está o véu negro vacilante e silencioso.  O sereno vem soprado pela brisa para cair lentamente sobre os telhados e sobre toda a existência noturna.
            É madrugada.
            A visão se projeta através do véu negro.  Disseminado entre os inúmeros pontinhos de luz da cidade ao longe, estão os ruídos soturnos de uma noite conspícua.  No declive de uma rua (cujo nome ignoramos) há um semáforo medíocre que se fecha num vermelho absolutamente comum para um banal veículo (cujos dados também ignoramos) que se aproxima.  Pode-se ouvir a música proveniente do rádio no interior do veículo a uma boa distância.  O motorista, ao notar o trivial semáforo em vermelho, naturalmente pára, esperando que a luz mude se acendendo num verde esmeraldino.  Não há ninguém atravessando a rua.  Neste momento ele poderia muito bem (e isso teria sido muito melhor para ele) ter ido embora passando pelo sinal vermelho sem que ninguém tivesse consciência de tal infração ou mesmo reprovasse sua atitude com uma abrupta e repentina buzinada.  Na verdade é até mesmo desaconselhável ficar parado num sinal vermelho às tantas da madrugada devido ao risco de assaltos e até mesmo sequestros.  Nos cursinhos de auto escola já se ensinasse algo isto.
            Mas ele pára.
            Logo em seguida se aproxima uma motocicleta Harlley cujo guidão é dominado por um verdugo.  E seu chegar é rútilos prateados e um ronco manso de um monstro semi adormecido.  Tatuagens, botas pretas, colete de couro de cobra, jeans, cavanhaque demoníaco, lenço amarrado na cabeça...  Traz consigo uma espingarda calibre doze num coldre especial junto ao tanque de sua moto!  E como não poderia deixar de ser ele pára logo atrás do carro aguardando que o sinal fique verde novamente.
            No interior do veículo o motorista anônimo balança os braços simulando algumas das coreografias estúpidas da música que ele está ouvindo.  Na verdade ele apenas repete de modo inocente alguns inofensivos gestos débeis.  Dancinhas banais que rapidamente caem no gosto do povo, viram moda e contagiam.  O motorista canta alegremente acompanhando o rádio tal qual uma criança que repete automaticamente tudo o que ouve:

            “dança da bisnaga – é a dança da bisnaga
dança mais – dança mais um pouquinho                                                                                      
come mais –  come mais um pãozinho...”

            De sua moto o algoz ouve e se incomoda.  Ele consegue enxergar através do vidro fumê os braços do indivíduo mocorongo se movendo e imitando as coreografias populares.  O algoz não tem senso de humor, ele jamais se apieda, não tenta compreender, não tolera e nem mesmo tenta ser razoável.  Ele não entende diferenças, não pensa muito na maneira como as coisas acontecem ou como são.
            Ele simplesmente não gosta do que ouve.  Ele apenas não gosta nem um pouco do que vê.  O verdugo olha para um lado e para o outro como se procurasse no pequeno universo daquela rua, uma terceira e latente existência.  Mas nada vê.  Nenhuma alma viva na rua.  Consequentemente nenhuma testemunha.  O algoz é todo hardcore, todo punk-rock, todo metal, todo rock´n roll! Ele saca sua arma e a engatilha.  Mira através do vidro escurecido do carro e aperta o gatilho sem comiseração.
            O tiro estoura o vidro do carro e atinge em cheio a cabeça do motorista!  O carro começa então a descer lentamente a rua.  Parece-me que o pé do motorista estava no freio e como este já não tinha mais vida ou consciência o pé não mais se manteve pressionando o freio.  Desgovernado o carro passa pelo sinal vermelho e ganha velocidade no declive batendo violentamente num muro que existia logo à frente.
            O sinal fica verde.
            Apesar de todo o estardalhaço, de toda a violência do impacto, do tiro, do vidro se desfazendo em milhares de estilhaços e da colisão no muro, a coerência vigente na madrugada da rua sem nome não parecia ter sido afetada, absolutamente!  Então o verdugo, com a excelência de um verdadeiro executor, devolve calmamente sua arma ao coldre e acelera exibindo o ronco selvagem de sua montaria de metal.  E era como uma besta se jactando num uivo metálico!  Mas ainda não convencido totalmente quanto ao êxito de seu disparo, desce com sua moto, aproxima-se lentamente do carro e dá uma olhada.
            Apenas destroços!  Porém o rádio ainda funciona enquanto os restos da cabeça ensangüentada do motorista pende pela janela:

            “ela gostou da bisnaga e agora é a bisnaga
              que ela pensa em mastigar
              vai amassando a massinha da bisnaga
              a massinha da bisnaga...”

            Isso desagrada o algoz.
            Novamente ele saca sua arma e atira destruindo de uma vez o rádio e boa parte do painel do veículo.  Mesmo obstante o algoz não sorri.  Devolve sua arma ao coldre, cospe no veículo e por fim desaparece na escuridão demente.





                                                                                                                     Morpheus

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

NATÁLIA

Vive-se muito ou vive-se pouco
não importa, o que importa é o que se faz

Eu sei, podem até me chamar de louco
por te amar assim demais

e tão de repentemente

mas eu te amo
coisinha pequena e frágil com carinha de joelho

OH!  my second one

Te amo filha
Te amo Natália
e jamais me esquecerei, por mais piegas e repetitivo
que isso possa parecer
Por mais desgastada que possa estar tal frase, de modo que, hoje em dia,
ela parece até que já perdeu o sentido

Mas os sentidos das palavras, ás vezes, não são apenas para se entender
mas para se sentir de verdade

                                                                                                     
                                                                                                    Morpheus