terça-feira, 30 de agosto de 2016

TWOLLY PERKINS

            Eu criava macacos. No começo era apenas um chimpanzé. Algum tempo depois eles já eram cinco. E viviam livremente pela casa a brincar, saltar pelas coisas e pelo telhado, viviam livremente a fazer suas macaquices. Ninguém sem importava muito com isso, porque, no fim das contas eles eram macacos muito bem educados por mim e por minha companheira Elisa. A vizinhança não fazia muitas perguntas e até divertia-se em brincar com eles quando eles estavam do lado de fora.
            Mas um dia, quando estávamos todos na sala, Elisa, eu e algumas visitas que tomavam café e conversavam conosco, algo aconteceu. Um de meus macacos apareceu correndo e gritando desesperadamente. Puxava-me pelo braço e apontava lá para fora. Ele estava querendo me dizer alguma coisa e então eu fui lá fora para ver o que estava acontecendo e quando lá cheguei tive uma tremenda surpresa.
            A rua estava repleta de cobras. E curiosamente, elas pareciam estar todas dormindo ou mortas. Talvez estivessem sob alguma espécie de transe que as deixava letárgicas. Atravessando o portão e tomando todo o cuidado para não pisar sobre elas eu pude ver que, um pouco mais à frente todos os meus outros quatro macacos estavam estranhamente sentados de maneira alinhada com as cobras ao ser redor. Entendi a preocupação de Kim, o macaco que tinha ido me buscar lá dentro. Ele tinha medo que os macacos fossem picados pelas cobras.
            Mas as cobras, apesar de assustadoras e perigosas, estavam meio que entorpecidas e não pareciam querer morder ninguém. Estavam todas enroladas formando círculos misturados a sujeiras e outras coisas que me pareceram ser fezes (fezes de cobra?) e era como se já estivessem ali há muito tempo. Foi então que surgiu um caminhão lá no começo da rua e estacionou. Dois sujeitos saltaram e vieram recolhendo todas as serpentes para a tranquilidade geral dos macacos e minha também. Depois de terminarem o serviço foram embora e meus macacos voltaram felizes para dentro de casa. De onde, diabos, tinham aparecido todas aquelas serpentes? – era o que eu me perguntava.
            De qualquer modo, eu já ia voltando para dentro de casa quando me surgiu uma mulher acompanhada de dois garotos. Um deles na faixa dos quinze e outro menor que deveria ter uns cinco ou seis anos de idade. Estavam bem vestidos e rescendendo a perfume, pareciam muito sérios, embora o garoto mais novo aparentasse estar um pouco enfastiado com aquilo tudo. A mulher tinha aí os seus trinta e poucos anos, não era bonita, mas também não posso dizer que fosse feia, usava um grande e redondo óculos escuro, roupas sociais, carregava consigo uma bolsa e muitos papéis. Disse que vinha me oferecer a verdade escrita ali naqueles papéis e que era importante que eu tomasse ciência da verdade. Eu, por educação a ouvi mas disse-lhe que tinha pressa, aceitei um de seus panfletos e me mandei para dentro de casa.
            Juntei minhas coisas e saí para pegar o ônibus que logo passou. Entrei e fui sentar ao lado de uma garota de longos cabelos negros e pele muito branca. Lembro-me bem que ela tinha uma pinta do lado da boca bem ao estilo Marilin Monroe, mas vestia-se como uma dessas garotas que gostam de funk. Quando eu me aproximei ela olhou para mim e esboçou um sorriso. Fazia calor e ela usava um short jeans desses muito comuns e então logo ela olhou para mim e começou a puxar a barra do short para o lado para que eu pudesse ver os pelos da boceta dela. E então começou a se tocar e olhar para mim de maneira lasciva! Ela estava mesmo excitada e os bicos dos peitos logo estavam intumescidos por debaixo da blusa cor de rosa que ela estava usando. Olhei e pude ver a bocetona ali ao meu lado, ela estava arregaçando para mim e me olhando como se me desafiasse a fazer alguma coisa. Então começou a masturbar-se ali ao meu lado me olhando, passando a língua sobre os lábios e  apertando os seios e se retorcendo no banco. Eu já estava de pau duro e me virei para ela pronto para tocá-la. Ela percebeu e ficou ainda mais excitada. E então falou com uma voz gemida:
- Você quer? Vem...
Mas quando eu levantei o braço para tocá-la ela parou, olhou pela janela e gritou:
            - Meu ponto! (ela estava literalmente no ponto!)
            Aí se levantou de chofre, tocou a campainha do ônibus e pediu licença para sair pressurosa. Eu pensei em ir atrás dela, mas não podia, por que é que eu não podia? Eu não me lembrava. E fiquei observando ela desaparecer na rua enquanto o ônibus se distanciava.
            Por fim o ônibus chegou ao shopping e eu pude descer e começar a andar por aqueles corredores sem saber muito bem porque é que eu estava fazendo aquilo. Mas de repente aqueles corredores pareciam tão antigos, tão anos 80! E então eu percebi que estava andando no shopping onde meus pais me levavam, lá estavam aqueles brinquedos de décadas atrás, as roupas das pessoas, seus cabelos, as lojas, tudo! Os carrinhos de churros, tão deliciosos!
        Então, andando por aqueles corredores acabei encontrando uma porta estranha toda pintada de preto e entrei por ela para descer uma dessas escadas giratórias e sair num longo corredor cheio de canos que pareciam ser de água ou esgoto, não sei. O corredor era mal iluminado por umas luzes que ficavam no teto e na medida em que eu ia andando ele ia se estreitando e se ramificando em muitos outros caminhos. Estava se tornando mais quente e úmido quanto mais eu caminhava. Havia muitos pontos em que uns pingos d'água caiam do teto e uma fumaça branca e espessa que cheirava a cola de cano se imiscuía pelo ar para depois desaparecer sem motivo.
        De repente ouvi um ruído lá atrás e parei. Fiquei ouvindo durante algum tempo porque tinha a nítida impressão de que alguém estava vindo pelo corredor. Quem seria? Voltei alguns passos e fiquei esperando, mas ninguém surgira. Tampouco barulho algum voltou a acontecer. E esta cena veio a se repetir algumas vezes, não sei quantas, tudo o que sei é que caminhei um bom tempo por aqueles tuneis até chegar a uma porta onde se lia em letras garrafais: TWOLLY PERKINS!




                                                                    Morpheus

sábado, 20 de agosto de 2016

MATINAL

Eu gosto de olhar para o rosto das pessoas
acabrunhadas,
entorpecidas,
ensimesmadas;
com o cenho franzido
e os olhos enrugados apertados
quando sentam-se sob o sol da manhã
na frente de suas casas
para aquecer o corpo e praticar
o nobre estado do não-pensar
olhando para o chão
e erguendo a vista para ver quem chega
tapando o sol com a mão em concha
e respondendo qualquer coisa por obrigação...


Eu gosto de olhar para elas
com suas feições matutinas,
suas expressões enrugadas,
esturricadas,
sua resignação filosófica
e dedicada totalmente a este estado de se deixar estar,
se aquecer sob o sol
por um nada
e para um nada
que lhes pertence tão verdadeiramente quanto suas próprias vidas

Eu gosto de olhar para o rosto das pessoas
que estão encolhidas,
com as palmas das mãos juntas entre as pernas
sob o sol das nove e tantos da manhã
para esquentar seus corpos
e dizer coisas óbvias
apenas para estabelecer este contato humano tão básico
primitivo...

Eu quero olhar para suas rugas, seu torpor,
seu estranhamento quando levantam o braço para apontar
qualquer coisa
numa tentativa ignóbil de vencer o desânimo,
a neurastenia
de um início de dia
que elas não querem começar

Com o meu silêncio eu gosto delas 
e com minha observação eu as acarinho
numa empatia mouca
matutando
no momento matinal
desta comunicação ancestral
sem palavras




                                                            Morpheus

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

PONTA VERDE




Você quer ser o meu amor?
Pois o ponteiro do relógio já não pára como antes
e o que agora não se diz
já foi infinitas vezes pensado
e a confusão das ideias
é a confusão das ideias
é a confusão das ideias
que escapa da cabeça para pairar sobre os ombros das efígies
lá fora...

Você quer ser o meu amor?
Pois o amor é uma invenção estapafúrdia e facilmente desmontável
quando não se olha para os casais de namorados na rua
e nem se pensa no que poderia ter sido
mas não foi
poderia ter feito
mas não se fez
poderia ter dito
mas não se disse

Ora, permita-me apenas pensar em você
do mesmo modo que você pensa em mim
e deixar que as letras
se agrupem no poema
como pedras roliças
numa tigela oblonga


                                                             

                                                                     Morpheus