domingo, 17 de abril de 2011

ENLATADO BRASILEIRO ROCK´N ROLL

Auto americano brasileiríssimo
sou eu,
enlatado brasileiro rock'n roll
eu sou

Eu trabalho sem explosões latinas,
sou poeta e finjo ter um emprego

Mas o que é preciso saber
é que todos tem o direito de dizer


NÃO

a rede de emissoras globo
e a propaganda norte americana
Ninguém deve ser feito de bobo
nem comprado por quem alicia e engana

domingo, 3 de abril de 2011

DESEJO DE MATAR

          Ora, serei franco desde o início.  Não sei por que diabos aqueles malditos pensamentos começaram a me tirar a paz.  É claro que eu já havia desejado matar alguém antes e nunca tinha dado muita importancia a isto.  Acho que o ato de matar foi, na realidade, a finalidade primeira de minha humilde existência muito embora eu houvesse reprimido esse desejo por muito tempo.  Creio que hoje posso afirmar isso plenamente.  Sim.  Sempre desejei matar.  Mas antes de eu lhes contar como tirei a vida de um homem, permitam-me uma breve introdução a respeito de minha discreta pessoa.
          Pois bem, eu costumava tomar meu café todos os dias no mesmo barzinho ordinário de sempre.  Um botequim que ficava a poucos metros do edifício onde eu trabalhava como porteiro há quase doze anos.  E foi neste boteco que decidi um dia concretizar meu intento, mas voltando ao que eu dizia; meu emprego me mantinha e isto era o suficiente.  Trabalhar como porteiro não enche o peito de ninguém de orgulho, mas também não é motivo de vergonha.  Conhecia muita gente por ali, mas nunca fui muito de conversa.  Eu gostava mesmo era de fumar.  Fumava muito e ainda fumo.  Quando podia evitava as pessoas e suas conversas monótonas.  Então eu podia fumar meu cigarro em paz ou simplesmente ficar ali quieto na portaria.  Eu já tinha comido muito do pão que o diabo amassou antes de conseguir aquele emprego, por isso, quando consegui aquele emprego pensei; tenho que sossegar o facho e ficar aqui por um bom tempo.  Toda semana eu jogava na loteria.  Nunca ganhei um centavo.  No bicho eu ganhava um dinheirinho ás vezes.  Mas sempre perdia dinheiro naqueles caça-níqueis idiotas quando resolvia encher a cara nas sextas feiras.  Quando sentia necessidade pagava uma prostituta e dava uma gozada.  Não sentia necessidade de afeto.  Nunca senti.  Sentia necessidade de sexo ás vezes e o trabalho das meretrizes me bastava.  Mas sempre que tinha de fazê-lo eu procurava um puta diferente para não criar vínculo algum.  A maioria das vezes eu trepava com velhas.  Morava sozinho e nunca levava ninguém para casa.  Também nunca dizia a ninguém onde é que eu morava.  Pagava o aluguel rigorosamente em dia.  Meu apartamento quase não tinha mobília, mas eu tinha algum dinheiro no banco em virtude de minha parca natureza.  Minha infância também não tinha tido nenhum acontecimento especial.  Eu gostava apenas de brigar e era dificíl eu perder uma briga.  Só não era páreo para o meu velho, por isso fugi de casa aos treze prometendo que voltava para dar-lhe uma sova.  Vim morar com uma tia aqui na capital.  Aos dezesseis já me sustentava e aos dezessete fui morar sozinho.  Sempre fui esperto o bastante para não me meter em encrencas, principalmente com a polícia.  Mas sempre detestei policiais, criaturas insuportáveis!  Na verdade eu nunca gostei de gente!  Pessoas são sempre tão desagradáveis!  Tão sem graça o tempo todo!  Sempre fingindo ser simpáticas, sempre dissimulando amabilidade.  A solidão sempre me dava mais prazer, mais força, mais desejo de ser eu mesmo.  E ser eu mesmo era outra coisa insuportável.  Eu detestava meu nome, Cleomir.  Nome mais idiota!  Como meus pais haviam sido tão idiotas a ponto de encontrar um nome tão detestável quanto este para me batizar!?
          Foi assim que, aos poucos, a ideia de tirar a vida de alguém foi se fortalecendo em meu pensamento.  E, do mesmo modo foi se tornando uma obsessão.  Eu me perguntava o tempo todo; o que sente um homem quando mata?  Sente-se forte?  Sente-se talvez mais poderoso?  Isso me parecia ser um desejo tão primitivo e tão natural que até me parecia ser incorreto pensar algo ao contrário disto.  Como seria ver a vida se esvaindo dos olhos de uma pessoa exatamente no momento de sua morte e saber que você era o responsável por tal acontecimento?  Então, a princípio pensei em matar uma prostituta, mas seria um crime covarde.  E eu não era covarde.  O certo é que teria que ser com faca.  Ah...a ideia do sangue escorrendo me causava uma sensação incrível, me fazia crispar as mãos!  Então eu acendia um cigarro.  Dava alguns passos em qualquer direção até que aquela euforia louca de morte me abandonava e se diluia em minha alma.
          Até então minha vítima não tinha rosto, nome ou sobrenome.  Mas um dia, quando eu tomava meu café tranquilamente no mesmo boteco que vos descrevi no início da narrativa, o miserável de repente apareceu e eu soube no mesmo momento que aquele ser deplorável seria minha vítima.  No momento em que pus meus olhos nele imediatamente imaginei como seria cravar uma faca em seu peito até o cabo.  O sujeito era um pouco mais baixo do que eu, tinha um bigodinho nojento, olhos fundos, azuis, um gestual de idoso apesar de parecer ser até mais jovem do que eu e aparentava a estupidez daqueles que merecem ser condenados a morte.  Estava acompanhado de outros fiscais da prefeitura que usavam o mesmo jaleco repugnante que ele, fato que apenas certificava tratar-se de um verme, pois o serviço de fiscal não é outra coisa que trabalho de parasitas.  Talvez houvesse conseguido o emprego em virtude de algum parente bem colocado no prefeitura, quem vive no Brasil sabe que as coisas funcionam assim e sabe o quanto isto é vergonhoso.  Além do mais parecia ser tão idiota e digno de desprezo quanto todos os outros fiscais estúpidos que o acompanhavam.  Creio que todos conhecem o ditado que diz que cabeça vazia é oficina do diabo, então pus minha mente para trabalhar.  Em poucos dias entabulei conversação com o indivíduo me passando por um bom sujeito que apenas deseja uma prosa curta vez ou outra.  Logo fui ganhando sua amizade e em pouco tempo já estava mais íntimo dele.  No decorrer daqueles dias comecei a procurar pela internet um bom punhal que me servisse para a realização de meu intento.  Encontrei num site um belíssimo punhal que tinha uma lâmina de nove polegadas e um magnífico cabo de osso.  Era perfeito.  Pois bem, imprimi o boleto e paguei no banco a quantia de cento e vinte reais.  Depois de alguns dias estava recebendo em minha casa a ferramenta.  Agora tinha que ter uma plano, tinha que criar um plano.  Mas qual?  Como iria fazê-lo?  O certo é que eu teria que desaparecer depois de matar, não poderia ficar vagando pelas redondezas e muito menos esperar que a polícia me encontrasse na portaria ou em meu apartamento.  Então pensei em deixar meu emprego.  Isto me daria dinheiro suficiente para viajar para qualquer lugar do país, mas para onde ir?  Não importava.  Qualquer destino me serviria desde que estivesse em segurança.  Então o fiz, me demiti mas não avisei ninguém.  Esperei alguns dias, deixei minhas malas prontas e fiquei rondando pelas redondezas até que a oportunidade finalmente surgiu numa noite de sexta feira.  O sujeito se embriagava num outro boteco com seus colegas de trabalho, outros vermes como ele.  Então cheguei de forma aparentemente casual, cumprimentei a todos, pedi uma cerveja e fiquei observando o jogo de sinuca dos idiotas.  Trazia uma razoável quantia de dinheiro nos bolsos, uma quantia que me serviria de isca para atrair a atenção de minha vítima.  Trazia também meu punhal preso por uma fita adesiva em minha canela, algo absolutamente imperceptível.  Quando eles já se mostravam embriagados e cansados do jogo eu o desafiei.  Num primeiro momento ele se recusou mas quando eu falei em dinheiro ele imediatamente reconsiderou.  E com um sorriso maldito selou sua sentença de morte, o diabo é que alguns dos outros imbecis que o acompanhavam resolveram participar do jogo também.  Isto me custou mais uma hora pelo menos.  Perdemos, ganhamos, enfim; apenas perda de tempo.  Eu já estava ficando cansado daquilo tudo até que os imbecis resolveram finalmente ir embora.  Então eu aumentei o valor da aposta e desafiei pessoalmente Claudiomiro (este era o nome do desgraçado, mas ao contrário de mim, ao invés de detestar um nome como este o otário parecia se orgulhar do nome) para uma melhor de cinco.  O imbecil havia mordido a isca e talvez Lúcifer tenha providenciado o resto fazendo com que os outros todos fossem embora para suas casas.  De fato, havia chegado a hora dele.  E eu seria a ferramenta do diabo para mandá-lo direto para o inferno.  Começamos o jogo e eu ia permitindo que ele me vencesse errando bolas fáceis e fazendo-o pensar que era muito superior a mim.  Isso tudo também fazia aumentar a raiva que eu sentia por ele e me preparava ainda mais para o ato que eu pretendia cometer.  Enfim, já passava das onze da noite quando saímos do bar.  O verme se vangloriava o tempo todo se achando um Rui Chapéu.  Atravessamos uma avenida e começamos a caminhar por uma praça.  Uns vinte metros à frente eu já podia visualizar o local onde pretendia golpeá-lo.  Uma brisa soprava muito fresca, não havia quase ninguém pela rua e o imbecíl não parava de tagarelar.  Eu me sentia calmo e dava as últimas tragadas num cigarro antes de atirar a guimba longe.  Quando nos aproximamos da esquina eu já crispava as mãos quase sem poder me conter, mas mantinha o sangue frio.  Eu tinha que esperar até que nos aproximássemos das colunas de um edifício onde havia pouca luz e provavelmente nenhuma testemunha.
          Quando finalmente chegamos até onde eu queria, me abaixei para amarrar os cadarços de meus sapatos e disse a ele; ei espera um pouco aí, vou amarrar o sapato.  Na verdade, neste momento eu retirava o punhal que trazia oculto na minha canela.  Ainda abaixado, mas já com o punhal na mão eu virei a cabeça para observá-lo.  O idiota olhava para o lado e exalava fumaça tranquilamente.
           Imediatamente me levantei e cravei o punhal até o fim em seu peito.  Então tudo aconteceu exatamente como eu imaginara.  Ele me olhou nos olhos como alguém que implora por piedade e ao mesmo tempo quer perguntar por que.  Tentou defender-se, tentou mover-se e eu cravei o punhal ainda mais fundo fazendo com que ele soltasse um gemido estranho quase inaudível.  Segurei seus cabelos pela nuca com raiva enquanto pressionava o punhal em seu peito e sentia o sangue vazando quente e denso por entre meus dedos.  Ele parecia querer falar comigo, mas não conseguia.  E eu...eu tinha a morte nos olhos e Satã no coração.  Olhei bem para o rosto dele e cuspi com ódio em sua face.  Então ele começou a cair e eu o larguei.  Para ter a certeza de que morreria ainda fiz um corte bem fundo em sua garganta e abandonei o corpo ali mesmo atrás da coluna do edifício.  Arranquei minha camisa suja de sangue e joguei sobre o corpo.  Sai andando normalmente como se nada tivesse acontecido.  Subi correndo os quinze lances de escada até o meu apartamento.  Graças à Deus não encontrei mais ninguém no caminho por que no clímax em que me encontrava seria capaz de matar novamente.  Lavei minhas mãos, meu punhal e meu rosto rapidamente.  Vesti outra camisa, peguei minha mala e saí sem trancar a porta.
          Saí caminhando tranquilamente do edifício e andei quatro quilômetros até a rodoviária.  Comprei uma passagem para o primeiro ônibus que estava saindo dali direto para Curitiba e de lá comprei uma passagem para Buenos Aires onde hoje vivo tranquilamente sem ser perturbado por ninguém.  Bem, disto tudo que vos relatei já se passou mais de cinco anos.  Não sei o que será de mim no futuro, apenas sei que até hoje não me pegaram e sei também de uma outra coisa que não posso deixar de confessar.  Eu ainda guardo comigo o mesmo punhal e ás vezes, ainda sinto desejo de matar outra vez.