quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

WATERLOOPLEIN



         Eu estava meio deitado, meio sentado, com as costas apoiadas em alguma parede e sentindo uma dor terrível no joelho direito.  Eu sentia um sol quente sobre mim, uma brisa leve batendo em meu rosto e um clima de calor.  Talvez fosse de manhã... eu sentia que era um sol matinal sobre mim mas eu... eu não conseguia abrir os olhos direito e ainda tinha aquele gosto de guarda chuva na boca.  De repente abri os olhos e avistei algumas pessoas caminhando pela praça e uma revoada de pombos e então fechei os olhos novamente e soltei todo o peso do meu corpo naquela parede.  Adormeci...
         E então depois de não sei quanto tempo eu percebi que estava caído num chão duro e comecei a retomar minha consciência.  Sentia uma dor terrível no joelho direito, minha garganta doía, meu peito doía e então eu me lembrei de que toda vez que vomitava eu ficava sentindo aquelas dores terríveis no peito.  Eu havia vomitado?  Talvez sim.  O certo é que ainda sentia aqueles enjoos terríveis.  Abri os olhos novamente e senti a luz quente do sol.  Eu me sentia fraco e observava os transeuntes pela praça; não estavam preocupados comigo.  Acho que nem eu mesmo estava muito preocupado comigo.  Virei-me para o lado e deitei de bruços por um instante, meu estômago revirava e minha garganta estava seca.  Eu estava com calor e tentava me lembrar do que havia acontecido.
         Nós havíamos chegado na noite anterior... sim, disso eu me lembrava agora mas... onde estava Tininha?  O Kléber, a Verônica e todo mundo que tinha vindo com a gente.  Lembrei-me que tínhamos ido comer os tais brigadeiros de maconha e ficamos chapados e depois fomos à confraternização e começamos a virar copos de vodka!  Saímos de lá para ir até um bar onde vendiam uma cerveja escura que o Daniel dizia ser ótima e... E depois?  Eu não conseguia me lembrar de mais nada.  Eu havia bebido demais!  Mais uma vez eu havia bebido demais e agora nem sabia onde é que eu estava. 
Lembrei-me!  Eu não falava uma palavra de Holandês, como faria para voltar para o hotel?  Será que eu estava muito longe do Hotel?  Então fechei os olhos.  Queria adormecer novamente, mas não conseguia.
         Eu não podia continuar ali para sempre sentindo aquela dor insuportável no joelho e me fodendo sozinho com aquela ressaca filha da puta!  Eu precisava criar juízo, meu Deus!  Abri os olhos novamente e olhei para cima seguindo a parede onde eu me apoiava e que parecia se estender muitos metros na direção do céu.  Desencostei da parede sentindo minha cabeça pesada e dei uma boa olhada ao redor.  Havia umas barraquinhas estranhas um pouco distantes de onde eu estava e que vendiam muitas bugigangas estranhas trazendo um colorido imenso para todo o lugar.  Sem querer bati com a mão numa garrafa que jazia ao meu lado, havia sido minha companheira na noite anterior, mas onde estavam os outros?  Onde é que estavam os meus amigos?  Eu podia ouvir as pessoas conversando naquela linguagem diferente ao redor, era primavera e eu tinha enchido a cara.  Desencostei da parede e dei uma boa olhada, era uma igreja.  Uma igreja bonita e cinzenta e provavelmente muito antiga, talvez até fosse do período medieval, embora eu não entendesse muito bem daquelas porras.  Minha cabeça pesava, como é que eu ia conseguir achar o caminho de volta para o hotel?  Eu não sabia nem mesmo pedir uma informação.  Teria que me virar usando meu parco inglês.  O problema era que eu não conseguia me lembrar o nome do meu hotel.  Eu queria me levantar dali e sair andando mas era como se eu não tivesse coragem, acho que eu precisava apenas descansar mais um pouco.   Encostei-me de novo na parede e passei a contemplar o lugar.  Eu estava tremendo como uma vara verde e tinha vontade de cagar.  Algumas pessoas andavam de bicicleta por ali e eu me lembrei da minha bicicleta há tantos milhares de quilômetros dali.  Aquelas barracas eram mesmo diferentes, exóticas, tinham todo tipo de produto à venda, botas, casacos, roupas, souvenirs, brinquedos, chaveiros, abridores de latas, enfim.  Um café do outro lado da rua me chamou a atenção, eu tinha sede.  Revirei os bolsos e não encontrei nenhum centavo, será que havia sido roubado enquanto dormia?
         De repente tomei coragem e me levantei num único impulso.  Fiquei atordoado e quase caí novamente, mas me apoiei na parede e retomei o controle.  Eu era jovem, era forte, tinha que retomar o controle.  Eu tinha que manter as rédeas da minha vida, oras.  Saí andando por ali sem direção, eu era um estrangeiro perdido na mixórdia de uma tarde primaveril europeia muito agradável se eu não estivesse sofrendo a mais maldita das ressacas.
         Acho que foi uma das caminhadas mais extraordinárias que já fiz na vida.  Perambulei por ali até encontrar uma placa onde dizia Centrum Waterlooplein.  Caminhando mais um pouco cheguei até as proximidades do lago onde eu pude finalmente ver o reflexo de meu rosto latino e miserável.  Olhei para o céu novamente e roguei a Deus para que me ajudasse.
         Então me virei novamente para a cidade, tinha Amsterdã à minha disposição e precisava descobrir o caminho de volta para casa.

                                                                                               

                                                                                                               Morpheus