quinta-feira, 16 de junho de 2011

JOÃO E O PÉ DE MACONHA

        Num dia de domingo João acordou bem cedo com a barriga roncando e foi procurar algo para comer no armário da cozinha.  Encontrou cinco bolachas de leite.  Tomou um copo d'água e foi até o quintal onde seu cachorro Caneca o recepcionou com a típica fidelidade canina.  Agachou-se perto de seu animalzinho que o lambia e festejava freneticamente e o presenteou com três das bolachas que encontrara.  Mastigou as outras duas.  Como não tinha que ir a escola naquele dia João comtemplava o quintal com os cabelos espatifados e mastigava suas bolachas sem vontade de fazer mais nada na vida.  O que fazer num dia de domingo como aquele?  Talvez fosse jogar bola na rua com outros moleques ou talvez fosse dar uma volta em sua bicicleta por aí.  Mas então João se lembrou do que seu tio e tutor Dário havia lhe ordenado no dia anterior; que ele deveria vender aquela porcaria de bicicleta e comprar alguma coisa mais útil como comida, por exemplo.  E agora que João já tinha acabado de mastigar aquelas bolachinhas e sentia seu estômago ainda roncando, percebia que o que o seu tio e tutor Dário havia lhe dito realmente fazia sentido.  João se aproximou de sua bicicleta, que não era muito nova e começou a observá-la mais de perto pensando que se sentiria muito triste por ter de se desfazer dela.
     - O que você tá esperando muleque, vai logo na fera vende essa porcaria.  E vê se traz um pouco de arroz por que já tá acabando o que tem aqui - era Dário que surgia de repente com sua voz tonitruante quase matanto João de susto.  E como não havia alternativa João foi calçar os chinelos para ir até a feira.  Chamou seu amiguinho Caneca e se mandou.  Quando se aproximava da feira o cheiro de pastéis fritos fez com que seu estômago roncasse ainda mais e aquilo foi uma tortura para o menino.  João pensou o quanto seria bom se pudesse comer um pastel de queijo.  Mas como não tinha consigo um centavo sequer João foi direto a bicicletaria onde foi recepcionado por um velho barbudo que ralhou com ele antes mesmo que ele pudesse dizer algumas coisa:
     - Não tô comprando nada hoje muleque, chispa daqui com essa bicicleta.
        João ficou muito desapontado.  Ficou triste.  Saiu andando macambúzio e pensando no que ia ter que dizer ao seu tio e tutor Dário quando chegasse com as mãos vazias e a barriga ainda roncando.  Caneca apenas seguia os passos vacilantes do dono até que este de repente acabou sendo surpreendido por uma figura estranha que habitava os arredores e observara a cena de João sendo rechaçado pelo dono da bicicletaria:
    - Aí muleque, chega aí - era um hippie com sotaque carioca - qual é muleque?  Tu num consiguiu vende tua bicicleta praquele otário?  João virou para fitar o hippie andrajoso e sem entender muito bem aquela conversa respondeu:
    - Qual o que?
    - Qual é muleque, toca aí - e eles se cumprimentaram - tu tá querendo vende a magrela aí, é?  João fitou melhor aquele ser exótico que parecia cheirar mal.  Arregalou os olhos e disse meio sem vontade - é...  O hippie se aproximou, pôs a mão sobre o ombro direito de João que notou que ele tinha alguns anéis e recomeçou a falar com aquele sotaque carioca:
    - Aí, presta atenção, vou te dizer uma coisa com sinceridade, eu tava pensando exatamente em comprar uma magrela irmão; sinceridade - João apenas o ouvia sem entender muito bem o que ele queria - e como vi que tu tá querendo vender a tua, pensei em te propor um negócio de camarada, que é que tu acha? - João tornou a fitá-lo sem dizer palavra e o hippie continuou - eu tenho aqui um barato bem louco e tava pensando em trocar contigo, tá ligado, tua bike por umas sementes mágicas, que é que tu acha?
    - Sementes mágicas?
    - É, saca só, tu pega estas sementes - e tirou um pequeno embrulho do bolso onde havia porção de sementes pequeninas pretas arredondadas - tu planta e tu rega parcero, dali uns dias tu vai te uma mina de ouro em casa irmão.
    - Mina de ouro?
    - Pode crê, vai por mim, tu num vai se arrepende não.
    - Ah... - João coçava a cabeça e hesitava um pouco antes de dizer - então tá.
      E fizeram a troca.  O sujeito montou na bicicleta no mesmo momento e desapareceu enquanto João seguiu de volta para casa para falar com seu tio e tutor.  Porém quando lá chegou recebeu a maior bronca de toda sua vida.  Dário ficou furioso!  Como pudera João ter sido tão ingênuo?  Sementes mágicas!  E isso lá por acaso existia?  Seu tio e tutor ficou tão irritado que arremessou as sementes no quintal.  João nada mais disse, apenas baixou a cabeça e entrou em casa descoroçoado.
      Passaram-se seis meses ou mais e ninguém mais havia tocado no assunto das tais sementes.  A vida de João seguia normalmente sofrida como sempre fora.  Dário nem se importava de ir ao quintal vez ou outra, quintal, aliás; que parecia mais uma pequena floresta ou um pequeno bosque por assim dizer.  Caneca era quem o frequentava constantemente instigado por seus instintos caninos.  Mas o que ninguém sabia e muito menos imaginava era que a vizinho do lado, dona Lucrécia, senhorita circunspeta e, porque não dizer exótica; tinha também (além do hábito de mexericar) o hábito de investigar o quintal das casas alheias.  E foi assim que, um dia, quase por acaso (teria dito ela ao telefone quando comunicou a polícia) ela notou a presença de uma planta diferente naquela quintal cheio de matos.  A princípio nem desconfiou, mas depois, pensando melhor resolveu perguntar para seu filho e pediu que ele pesquisasse na internet a origem daquela espécie estranha de arbusto que de repente ali surgira.  Após tal confirmação dona Lucrécia se viu mesmo obrigada a delatá-los, aquilo não podia acontecer ao lado de sua casa.
      E foi assim que Dário foi parar na cadeia e João num orfanato.  Caneca?  Caneca vive por aí, é um cão e cães são sobreviventes.  Deus sabe lá por onde anda.