domingo, 29 de abril de 2012

PELAS RUAS


Ando pelas ruas
e uma melancolia baila no vento

As reuniões se propagam
pequenas pândegas se alastram
abençoadas pelos arquétipos midiáticos de efêmera intensidade
A carne tem o sabor de verter sangue
e a cerveja sacia o que a rotina não expurga
enquanto eu ando pelas ruas
e uma melancolia baila no vento

Qual é a cidade
que está dentro da cidade?

Que gentes são estas
que caminham entre as gentes?

As confrarias aparecem
aqui e ali,
os comentários jocosos e as palavras conspurcadas de aleive
entretecem o pano do hodierno
que é sempre infestado de mediocridade
e saturado na falta de personalidade
A diversão é não ter consciência mas;
para que serve esta suposta consciência?

Ando pelas ruas
e uma melancolia baila no vento

                                
                                              Morpheus

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A OCASIÃO FAZ O LADRÃO



Ah o meu amigo X...  Há quanto tempo não o via!  Vou chamar-lhe X para preservar-lhe a identidade já que os acontecimentos que vou relatar tratam de fatos não muito comuns e até imorais.  Pois bem, encontrei-o num shopping ontem à tarde, justamente num shopping!  Eu não o reconheci de imediato, ele é que me viu e, de longe já abriu o sorriso para vir cumprimentar o amigo.  Estava um pouco mais gordo e mais velho, assim como eu, mas mantinha o mesmo sorriso jovial de sempre.  Eu depois de um instante logo o reconheci e imediatamente emendamos um bate papo de velhos amigos.  Fato este que me fez relembrar o acontecimento que dá nome ao conto, mas primeiro permitam que eu vos faça uma breve introdução a respeito X.
            X havia estudado na mesma escola que eu durante o colegial e era um pouco mais velho do que eu.  Morávamos muito próximos e consequentemente tínhamos uma forte amizade, de modo que passávamos muito tempo juntos.  Tínhamos nosso próprio time de futebol, o Estrela Azul (numa outra oportunidade contarei a história do Estrela Azul), andávamos juntos para todo lugar, fazíamos festas, ás vezes conseguíamos pegar umas garotas mas naquela época não era fácil.  Até por que éramos muito tímidos e desengonçados e como todo mundo é; já foi ou será adolescente um dia saberá  entender muito bem o que é que eu estou falando.  Depois cada um seguiu seu rumo na vida, eu fui estudar literatura, casei, descasei, casei de novo, tive filhos, assim como X que me contou que a virada em sua vida aconteceu quando ele conheceu sua atual mulher cujo nome creio não ser necessário narrar aqui.  X me contou que havia trabalhado por seis longos anos no departamento pessoal de uma metalúrgica, emprego que largou para agenciar a mulher e uma série de sites pornôs na internet!  Entre outras coisas era também dono de uma sex-shop ali mesmo no shopping onde estávamos e dono de uma produtora de filmes pornôs.  X sempre foi meio maluco mesmo!  Uma figura!  Contou-me que tudo havia começado quando ele resolveu por a mulher pra trabalhar – ela dá o rabo e eu é que encho o bolso háháháháháhá – e o pior é que o cara me falava isso como se fosse a coisa mais natural do mundo!  Dá prá acreditar?  X me explicou que não esquentava por que ela também permitia que ele saísse com outras mulheres e que ele também participava de alguns vídeos com ela e com outras mulheres, enfim, aquilo tudo me pareceu ser uma putaria total.  Mas X parecia estar muito feliz e se dando bem naquela vida incomum.  Deu-me um cartãozinho e me disse que em breve seriam sorteados alguns internautas para participar da gravação de um vídeo com a mulher dele, mas que sujeito mais espirituoso!  Eu respeitosamente guardei o cartãozinho com a intenção de jogá-lo fora depois para não ter conflitos com minha mulher em casa.
            Logo em seguida o próprio X acabou relembrando o episódio que agora vos relato:
            Era um domingo e nós passeávamos pelo shopping na esperança de encontrar algumas “minas”, que era a mais nova gíria que usavam no começo dos anos noventa (ou final dos oitenta) para se referir as garotas. O shopping também era novo na cidade e nós éramos uns bobocas punheteiros doidos prá pegar mulher.  Aquilo tudo era uma novidade na época, o shopping, as lojas, a possibilidade de arranjar umas namoradas, enfim.  E nós éramos aventureiros sedentos por novidades.  Curtíamos Guns and Roses, Metallica, Alice In Chains, Legião Urbana, Engenheiros do Hawai; essas coisas. Jogávamos super nintendo até acabar com as digitais dos dedos.  Éramos doidos prá ter uns tênis de marca, mas nossos pais só compravam aquelas falsificações fajutas e nós tínhamos que usar por que, afinal não tínhamos outra coisa para calçar.  Íamos à pé mesmo ao shopping por que ele não ficava muito distante do bairro onde morávamos.  Naquele domingo o shopping estava praticamente vazio e nós perambulávamos por ali jogando conversa fora e dando uma espiada nas montras que exibiam as mais novas marcas de roupas de surf daquela época, aquilo tudo era um novidade e tanto prá gente.
            Foi quando, ao se aproximar da porta de vidro de uma daquelas lojas, de repente X notou que ela parecia não estar trancada e chamou minha atenção.  Forçamos um pouco a porta de vidro e ela se abriu.  Fechamos rapidamente a porta e saímos dando risada mas ao mesmo tempo meio assustados.  Então X lançou a ideia do furto no ar e rapidamente nos apegamos a ela.  Demos uma volta pelo shopping e traçamos nosso plano.  X ainda não acreditava que eu teria coragem de entrar lá dentro e surrupiar uns bonés prá gente.  Então combinamos que X ficaria vigiando e eu entraria lá dentro para pegar os bonés.  Ainda estávamos um pouco desconfiados de haver câmeras pelo shopping, mas o fato é que tivemos muita coragem.  E lá fomos nós.  Aproximamo-nos com cautela da loja e esperamos que um pequeno grupo de pessoas se afastasse para pôr o plano em prática.  X se encostou na vitrine e ficou vigiando o corredor.  Eu empurrei as portas e entrei, rapidamente alcancei o boné que eu queria e depois o que X havia escolhido, ainda tive tempo de enfiar a mão por baixo de uma das prateleiras e pegar uma carteira novinha em folha para mim.  Pus o meu boné dentro da calça e escondi a carteira num dos meus bolsos, sai e fechei a porta de vidro com cautela.  Dei o boné a X que o escondeu nas calças e saímos rapidamente de lá.  Afoitos e nervosos descemos a escadaria e nos dirigimos para a saída quase sem falar um com o outro, coisa de louco cara!  Temíamos ser perseguidos por algum dos guardas do shopping mas o fato é que em pouco tempo já estávamos fora do shopping e atravessando a rodovia Raposo Tavares para voltar para casa.  Ufa, que maluquice!  X ria o tempo todo e arregalava os seus olhos enormes e redondos dizendo que ninguém jamais iria acreditar se contássemos a história.  Quando chegamos à casa de X ainda cogitamos a ideia de voltar lá e roubar umas roupas, mas tudo isso ficou somente na conversa, o fato é que não éramos ladrões de verdade, mas apenas de ocasião, como lhes disse.  Éramos razoavelmente inocentes e pouco ambiciosos, tanto que nos contentamos apenas com uns bonés.  Hoje percebo que foi apenas um desses episódios incríveis que se vive na vida.  O fato é que eu ainda tenho aqui comigo o cartão que X me deixou e; quem sabe eu não resolva me inscrever no tal sorteio...


                                                                                                                   Morpheus

terça-feira, 10 de abril de 2012

SONETO DE REPUGNA

Se contorce na volúpia do momento,
se regala no acúmulo do capital
como um vil demônio agourento
que esbraveja neste país tropical

Se revigora na opulência do dinheiro
enquanto empobrecem as virtudes pessoais
À ignomínia se entrega por inteiro
e, aparentemente, sobrepõem-se aos demais

E segue assim em suas sendas
de manhã, à tarde e à noite
só lhe restam improfícuas vendas

E segue assim sua vida
como pestilento cão
lambendo a própria ferida

                                                                    Morpheus