quinta-feira, 19 de novembro de 2015

TRANSLÚCIDO


Comi dois livros em uma semana,
rabisquei em tabletes de chocolates os nomes esquecidos das doze bruxas que conheci,
inventei engrenagens esdrúxulas para máquinas barulhentas,
mostrei o pinto para a vizinha,
falei sozinho na noite silenciosa,
inventei monstruosidades na esperança de ser engraçado para as crianças,
fiquei sóbrio na fila de espera,
gozei na buceta como um cão sarnento,
peguei um ônibus,
observei cautelosamente a paisagem na esperança de encontrar um ser mitológico,
fui eu mesmo por uns dias,
procrastinei,
procrastinei,
procrastinei,
procrastinei...

Propalando dísticos saltei quimeras,
alvejando batentes abri portas,
drasticamente viajei alado,
e sofismei, sofismei calado
sobre o sofá romanesco
da sala abafada pintei o quadro
onde matava a golpes de foice
a mentira pálida de um dia náutico

Renasci em vidros, vomitando pleonasmos
e então procurando lúcidas elucubrações
entre os objetos jogados no quarto
encontrei outro item para minhas parafernálias,
era um robusto pilão de bronze
que eu lancei pela janela na esperança vil
de me livrar do elo que me prendia àquele livro
e esqueci...

Cavei no barro com potes toscos de plástico
e encontrei uma luminária que iluminou novos pensamentos
viscosos e profanos
Cavei no barro com meus dedos rotos,
cavei no barro com minhas mãos medíocres,
cavei no barro minha poesia louca
e me escondi no poleiro
acima das cabeças inermes para que não me fizessem perguntas

Insone lapidei deidades
até o amanhecer alaranjado,
ouvi os gritos horrendos dos órfãos da noite
fenecerem aos poucos; ocultos em paredes nulas
Vaguei sincero entre letras,
galguei valente os ditirambos boçais das tribos daqui,
vociferei quando pude;
vendi aos homens suas mercadorias mortas
e lhes cuspi no rosto
que eu era apenas um poeta
e que não precisava daquilo tudo
porque não precisava ser como eles

Arranquei do meu peito esta personalidade
e deixei sangrar o que era comum
até que o tronco oco ficasse vazio de mediocridade

E então, pronto para caminhar pelo mundo
eu preparei meu chá e, em silêncio,
me sentei na frente da minha casa
fumando
e oferecendo à mente
as possibilidades multidimensionais
de uma madrugada silenciosa









                                         Morpheus

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