segunda-feira, 30 de novembro de 2015

INEXORÁVEL



            Então era isso, lá estávamos nós, eu, Tertuliano e Zacarias numa sala de mais ou menos doze metros quadrados. Já haviam se passado uns bons dois ou três minutos sem que ninguém dissesse palavra. Eu estava vencendo, estava conseguindo vencê-los em seu próprio campo de batalha. Não era uma tarefa fácil, devo admitir, mas minha resignação calada os pejava e, aos poucos ia minando aquela vontade que eles tinham de permanecer falando sem parar. No mais eu apenas os respondia por monossílabos ou fingia não ter ouvido de que se tratava, colocava a mão em concha no ouvido e perguntava; “o que?”.

                Agora eu brincava com meu pé, erguia, colocava no chão, ajeitava o cadarço, pisava e repisava como se houvesse algo de interessante num estúpido e simplório pé. Tertuliano olhava para o teto, depois para as paredes, pensava, procurava alguma coisa para dizer. Zacarias, de frente para ele em sua mesa de vidro glacial rabiscava qualquer desenho abstrato no papel, afastava o cabelo do olho, sugava com força o ranho do nariz. O patrão não chegava, não ligava e ninguém sabia muito bem o que fazer. Os três continuavam enrolando de acordo com a ordem cósmica das coisas até que o gongo soasse.

                É claro que não podemos ser filósofos o tempo todo, mas conversa fiada demais também é insuportável. Tertuliano e Zacarias passavam o tempo todo falando trivialidades ou fazendo fofoca da vida alheia. Eu me mantinha ausente, fingia ser um vegetal, um vaso de planta esquecido ali na sala e sem importância alguma. Não queria fazer parte daquilo, tinha meus próprios problemas, minhas próprias intrigas para resolver, minhas contas para pagar e todas as questões sem resposta que pairam sobre o universo. Por isso eu divagava largamente enquanto cutucava os dedos das mãos. De repente me lembrava do cheiro de cu suado e sei lá o que mais que se misturava no ônibus toda a tarde quando eu saia do trabalho. De repente me lembrava que seis lindas e geladas latinhas de cerveja esperavam por mim na eternidade de uma geladeira muda. Pensava em me esgueirar até o armário e me refugiar no romance que estava lendo, mas não; eles me entregariam certamente. Esperavam apenas a oportunidade propícia, o deslize, o erro bobo para finalmente se livrarem de mim. Eu não podia claudicar, não naquele momento. Como numa partida de xadrez eu tinha que fazer o movimento certo e o movimento certo, neste momento, era manter-se nulo como a serpente que espera a presa vacilar diante de si para aplicar o bote certeiro.

                Quando dei por mim eles haviam recomeçado o lengalenga. Falavam de cores de camisas polo e tipos de cortes de calça e sei lá o que mais. Um papo furado insuportável do caralho! Tertuliano agora já mudava de assunto e passava a falar de programas estúpidos de televisão que Zacarias também não suportava. Ah! Finalmente, um ponto de rompimento. Agora era só esperar mas...surpreendentemente Zacarias começava a falar de um outro programa idiota e a conversa continuava no mesmo ritmo. Eu sorrio, faço de conta que estou entendendo tudo, prestando atenção, sendo amigável. Olho pela janela e vejo lá fora um pássaro pousar suavemente sobre o muro, o céu está limpo, uma brisa bafeja na janela e os caras ao meu lado agora difamam não sei quem. Conversa insuportável! Passam-se mais uns dez minutos neste ritmo e eles ainda estão tentando me convencer a participar daquela porcaria toda. Mas eu resisto, tenho personalidade, sou mais eu.

                Por fim Tertuliano levanta-se dando uma desculpa qualquer e Zacarias o segue dizendo que vai ao banheiro. Em pensamento eu comemoro. Os venci finalmente. Eles saem da sala e me deixam sozinho talvez sem saber que estou tão feliz por finalmente estar distante deles.  


                                                                                                              Morpheus

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