domingo, 29 de março de 2015

SOLIDÃO

Fechei a porta do apartamento e escapei pelas escadas.  Não queria enfrentar o elevador, não queria ver a cara de ninguém e no fim das contas eram apenas cinco andares.  É claro que eu me preparei psicologicamente para cumprimentar o seu Domingos que eu inevitavelmente encontraria no fim da escada mas isto não chegava a ser um problema por que seu Domingos era do tipo calado que nunca esticava o assunto.
Já na calçada eu podia respirar livremente; eu podia ser eu.  Por que havia momentos em que eu não conseguia ser eu em minha própria casa.  Minha família não me deixava respirar, sempre precisavam de mim para tudo, até para ver televisão.  Entretanto eu, ao mesmo tempo também não posso deixar de dizer que até gostava disso.  É uma coisa incoerente eu sei; mas era exatamente assim que eu me sentia.  De qualquer modo naquele momento eu precisava de um pouco de ar puro e de um pouco de solidão.  Eu queria pensar.  Queria olhar.  Queria viver.  Queria apenas estar ausente. É; acho que era isso no fim das contas.  Eu não me sentia triste, queria apenas me sentir eu mesmo.  Talvez eu quisesse apenas “sentir”.
E caminhando pela calçada eu podia me sentir assim.  O fato é que naquele momento eu precisava me sentir assim, mais livre e mais distante.  Era apenas isso.  Um homem não precisa de muita coisa na vida, somente os idiotas é que precisam de muitas coisas.  
Pensei em ir até o bar, mas hesitei um pouco.  Eu não queria conversar.  Então saí caminhando quase sem destino certo.  Entretanto esta indefinição, na verdade, me levava apenas ao bar, como sempre.  Passei em frente e apenas dei uma olhada de esguelha para confirmar o que eu já sabia, estavam todos lá.  Todos concentrados na TV.  O Brasil estava vencendo a copa das confederações, os jogadores estavam todos lá, comemorando e a torcida também.  No bar todos tinham os olhos vidrados na televisão.  Eu gostava de futebol, gosto ainda.  Mas naquele dia eu simplesmente não me sentia a fim, eu estava chato, esta é que era a verdade.  E o fato de o Brasil estar vencendo a copa das confederações era uma oportunidade perfeita para uma escapadela.  Mudei a rota seguindo para a praia.  Me aproximei de um dos bancos, sentei, acendi um cigarro e fiquei olhando para o mar.
Tudo estava em ordem.  Emprego estável embora maçante, prestações do apartamento em dia, as crianças crescendo, a vida correndo mansa, o que é que me faltava?  Afinal todo emprego é maçante, todas as prestações um dia acabam e as crianças um dia se tornam adultos de verdade.  O que é que me incomodava?  Eu pensava nisto enquanto olhava para o mar, pensava em mim.  Eu tinha uma boa mulher na qual confiava tranquilamente e que estava ao meu lado em todos os momentos.  Convivia bem com o resto da família.  Eu tinha tudo e estava cometendo o pior pecado, a ingratidão.  Eu estava sendo ignorante, estava sendo ingrato.
Quando terminei o cigarro apenas me levantei e sai andando.  Não importava muito para onde é que estava indo.  Caminhei um pouco pela avenida Atlântica sentindo aquela brisa gostosa do mar e depois entrei pela rua Hilário Gouveia.  Segui por sei lá quantos metros até que fui abordado por ela próximo de uma banca de jornais.
 O mesmo jeito de sempre, minissaia minúscula, peitinhos exuberantes branquelos pedindo para serem mordidos, batom vermelho escarlate exagerado e aquela maquiagem toda nos olhos para...esconder as olheiras?  Sei lá, eu sei que eu sempre passava por ali e aquela loirinha me chamava e me convidava insistentemente para fazer um programa com ela.  Era uma garota jovem, por que é que não fazia outra coisa da vida? (Eu me perguntava, ás vezes) Quando eu me aproximei ela veio logo perguntando: "vamos?"
 Eu aquiesci com um gesto de cabeça e lá fomos nós.

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