quinta-feira, 19 de março de 2015

BRUSCA DEMÊNCIA


Andrajosidade na cegueira da calçada
até o passo de esguelha no momento
eu sei...
e fui andando, andando
até onde a fronte se franziu

Uma mendiga no meio da rua:
Solidão
Miséria
Devassidão

Ouço o rumor da rua
o burburinho cru

Mergulho na imagética densidade dos olhos
a qual reluz sua insignificância,
clama sua loucura,
grita sua bizarrice na face

Brada gesticula surpreende
com tamanha ferocidade

E no meio da multidão sinto muito,
mas muito não posso sentir
pouco não posso escrever
parar não posso a pensar
então à metade fico...

Um nariz tropeça no joelho
e; diante do vidro translúcido:

                         modelo, aprazível aos olhos
                         marca, aprazível aos olhos
                         cor, aprazível aos olhos
                         design, aprazível aos olhos

O preço é equivalente a todo o seu contemplativo prazer
e a forma de pagamento
é só um tormento
e eu apenas lamento
que não tenhas comprovante de renda
e ainda tenhas de aceitar sem contenda
esse não-poder injusto
essa palpável altivez de custo
mas...

você ainda pode se embriagar
por três dias
com esse dinheiro

Então vá
faça o sacrifício de não sentir
e de não desejar possuir
Apenas vá,
desça a colina até a planície
atravesse o rio barrento
suba a trilha pela encosta até o monte
e lembre-se de viver como um selvagem animal humano

Afaste-se de sua espécie
por que sua espécie o repudia
sua estirpe não pode comprovar rendimentos
mas outra que é muito semelhante tem vários investimentos

Então esqueça a vitrine e a vidraça

Apenas viva como vive o animal
rosne como o tigre
fareje como o cão
mude como muda o camaleão;
voe como a coruja

à noite

rasteje como o faz a serpente
entre folhas crepitantes
rompendo o silêncio
de uma noite lúcida e austera

Uma noite qualquer sem estrelas e sem lua
como a própria ausência de desejos
num envelhecimento lento
até o lamaçal leitoso
de barro e água e areia e folhas

É proibido renegar-se
e será impossível regenerar-se
então obedeça
seja comum, seja banal, seja imbecíl, seja normal

Não sonhe
Não lhe apeteça mais do que te darão

Extravase vez ou outra
embriague-se e grite tolices
que não fazem sentido algum

Não sonhe
Não queira

Permaneça no chão
sempre no solo ao soprar a brisa

Nenhum comentário:

Postar um comentário