terça-feira, 29 de dezembro de 2015
MINHA POESIA
Minha poesia fala por si
é parte das coisas
todas pelas quais vivi,
pequeno registro é do que já foi
como alguém conhecido
que passa pela janela e diz um oi
Minha poesia
não me pertence certamente
veio por mim
mas sempre vai para outra gente
Morpheus
sábado, 19 de dezembro de 2015
A BOCETA CÓSMICA
Capturei um poema na ressaca da manhã de domingo
quando estava parado no sinaleiro
e milhares de nuvens cinzentas deslizavam silenciosamente
para lugar nenhum
A verdade é uma boceta cósmica que suga toda a existência
para dentro de si
o que há do outro lado
ninguém aqui sabe...
Morpheus
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
INEXORÁVEL
Então era isso, lá estávamos nós, eu,
Tertuliano e Zacarias numa sala de mais ou menos doze metros quadrados. Já
haviam se passado uns bons dois ou três minutos sem que ninguém dissesse
palavra. Eu estava vencendo, estava conseguindo vencê-los em seu próprio campo
de batalha. Não era uma tarefa fácil, devo admitir, mas minha resignação calada
os pejava e, aos poucos ia minando aquela vontade que eles tinham de permanecer
falando sem parar. No mais eu apenas os respondia por monossílabos ou fingia não ter
ouvido de que se tratava, colocava a mão em concha no ouvido e perguntava; “o
que?”.
Agora eu brincava com meu pé, erguia, colocava no
chão, ajeitava o cadarço, pisava e repisava como se houvesse algo de interessante
num estúpido e simplório pé. Tertuliano olhava para o teto, depois para as
paredes, pensava, procurava alguma coisa para dizer. Zacarias, de frente para
ele em sua mesa de vidro glacial rabiscava qualquer desenho abstrato no papel,
afastava o cabelo do olho, sugava com força o ranho do nariz. O patrão não
chegava, não ligava e ninguém sabia muito bem o que fazer. Os três continuavam
enrolando de acordo com a ordem cósmica das coisas até que o gongo soasse.
É claro que não podemos ser filósofos o tempo todo,
mas conversa fiada demais também é insuportável. Tertuliano e Zacarias passavam
o tempo todo falando trivialidades ou fazendo fofoca da vida alheia. Eu me
mantinha ausente, fingia ser um vegetal, um vaso de planta esquecido ali na
sala e sem importância alguma. Não queria fazer parte daquilo, tinha meus
próprios problemas, minhas próprias intrigas para resolver, minhas contas para
pagar e todas as questões sem resposta que pairam sobre o universo. Por isso eu
divagava largamente enquanto cutucava os dedos das mãos. De repente me lembrava
do cheiro de cu suado e sei lá o que mais que se misturava no ônibus toda a
tarde quando eu saia do trabalho. De repente me lembrava que seis lindas e
geladas latinhas de cerveja esperavam por mim na eternidade de uma geladeira
muda. Pensava em me esgueirar até o armário e me refugiar no romance que estava
lendo, mas não; eles me entregariam certamente. Esperavam apenas a oportunidade
propícia, o deslize, o erro bobo para finalmente se livrarem de mim. Eu não
podia claudicar, não naquele momento. Como numa partida de xadrez eu tinha que
fazer o movimento certo e o movimento certo, neste momento, era manter-se nulo
como a serpente que espera a presa vacilar diante de si para aplicar o bote
certeiro.
Quando dei por mim eles haviam recomeçado o
lengalenga. Falavam de cores de camisas polo e tipos de cortes de calça e sei lá o que
mais. Um papo furado insuportável do caralho! Tertuliano agora já mudava de assunto e passava a falar de programas
estúpidos de televisão que Zacarias também não suportava. Ah! Finalmente, um
ponto de rompimento. Agora era só esperar mas...surpreendentemente Zacarias
começava a falar de um outro programa idiota e a conversa continuava no mesmo
ritmo. Eu sorrio, faço de conta que estou entendendo tudo, prestando atenção,
sendo amigável. Olho pela janela e vejo lá fora um pássaro pousar suavemente
sobre o muro, o céu está limpo, uma brisa bafeja na janela e os caras ao meu
lado agora difamam não sei quem. Conversa insuportável! Passam-se mais uns dez
minutos neste ritmo e eles ainda estão tentando me convencer a participar
daquela porcaria toda. Mas eu resisto, tenho personalidade, sou mais eu.
Por fim Tertuliano levanta-se dando uma desculpa
qualquer e Zacarias o segue dizendo que vai ao banheiro. Em pensamento eu
comemoro. Os venci finalmente. Eles saem da sala e me deixam sozinho talvez sem
saber que estou tão feliz por finalmente estar distante deles.
Morpheus
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quinta-feira, 19 de novembro de 2015
TRANSLÚCIDO
Comi dois livros em uma semana,
rabisquei em tabletes de chocolates os nomes esquecidos das doze bruxas que conheci,
inventei engrenagens esdrúxulas para máquinas barulhentas,
mostrei o pinto para a vizinha,
falei sozinho na noite silenciosa,
inventei monstruosidades na esperança de ser engraçado para as crianças,
fiquei sóbrio na fila de espera,
gozei na buceta como um cão sarnento,
peguei um ônibus,
observei cautelosamente a paisagem na esperança de encontrar um ser mitológico,
fui eu mesmo por uns dias,
procrastinei,
procrastinei,
procrastinei,
procrastinei...
Propalando dísticos saltei quimeras,
alvejando batentes abri portas,
drasticamente viajei alado,
e sofismei, sofismei calado
sobre o sofá romanesco
da sala abafada pintei o quadro
onde matava a golpes de foice
a mentira pálida de um dia náutico
Renasci em vidros, vomitando pleonasmos
e então procurando lúcidas elucubrações
entre os objetos jogados no quarto
encontrei outro item para minhas parafernálias,
era um robusto pilão de bronze
que eu lancei pela janela na esperança vil
de me livrar do elo que me prendia àquele livro
e esqueci...
Cavei no barro com potes toscos de plástico
e encontrei uma luminária que iluminou novos pensamentos
viscosos e profanos
Cavei no barro com meus dedos rotos,
cavei no barro com minhas mãos medíocres,
cavei no barro minha poesia louca
e me escondi no poleiro
acima das cabeças inermes para que não me fizessem perguntas
Insone lapidei deidades
até o amanhecer alaranjado,
ouvi os gritos horrendos dos órfãos da noite
fenecerem aos poucos; ocultos em paredes nulas
Vaguei sincero entre letras,
galguei valente os ditirambos boçais das tribos daqui,
vociferei quando pude;
vendi aos homens suas mercadorias mortas
e lhes cuspi no rosto
que eu era apenas um poeta
e que não precisava daquilo tudo
porque não precisava ser como eles
Arranquei do meu peito esta personalidade
e deixei sangrar o que era comum
até que o tronco oco ficasse vazio de mediocridade
E então, pronto para caminhar pelo mundo
eu preparei meu chá e, em silêncio,
me sentei na frente da minha casa
fumando
e oferecendo à mente
as possibilidades multidimensionais
de uma madrugada silenciosa
Morpheus
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
MY SECOND ONE
The landscape i saw into your eyes was just a gate
wich lead me to a new colorful world
A world that begin with the emerald green
everytime you glancing towards to me calling for attention
and saying: daddy; can you do me a baby bottle?
I look at you and see a future
see the eld...
the death
In your large round green eyes i see myself
and all innocence you bear in your little heart
I realize how much we lose when we grow up
but you don't
not yet...
You, my daughter,
you still have that landscape to walk on up
and may i can guide you
until the moment that you can do it by yourself
Morpheus
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
CASAL DE CRENTES
Numa dessas noites comuns de sexta-feira
quando todos estão querendo apenas relaxar e descansar minha mulher teve a
comum ideia de comprar umas pizzas para o jantar. Um novo estabelecimento que vende esfirras e pizzas tinha recém-aberto
as portas e como a noite estava fria ela pediu para que eu fizesse a fineza de
ir buscar. Peguei o dinheiro, coloquei uma jaquetona velha toda estropiada que
eu tinha há muitos anos, coloquei meu boné de idoso na cabeça e me mandei.
Chegando ao estabelecimento, pedi as pizzas e fui avisado
de que poderia demorar um pouco além do comum em virtude de um probleminha que
os caras estavam tendo com um dos fornos. Pedi um chope e colei minha barriga
no balcão para esperar e dar uma boa sacada no ambiente.
Havia uma família na mesa do lado de fora e um casal de
namorados que estavam decidindo o que pedir. Na parte de dentro do
estabelecimento, ao fundo, duas garotas comiam esfirras, tomavam
refrigerante e riam muito. Havia uma mulher com dois garotos também se
deliciando com esfirras e um sujeito sentado numa cadeira junto à parede do outro
lado esperando a senha dele. Um sujeito gordo também estava no balcão tomando chope e esperando o pedido dele. Logo chegaram mais algumas
pessoas, fizeram seus pedidos e ficaram por ali a esperar. Eu bebia
tranquilamente e observava criterioso o lugar e as pessoas todas que zanzavam
por ali.
Foi quando eles chegaram com suas caras emburradas
caminhando depressa com suas bíblias debaixo de seus braços. Ele, de camisa social
listrada
rosa bem suave e branco, jeans, sapatos de bico quadrado, calvo; os poucos cabelos que
lhe restavam penteados todos para trás e um relógio quadrado dourado no pulso. Era um sujeito de estatura
mediana, um e setenta e cinco talvez, barrigudo, atarracado, vinha com as
sobrancelhas grossas cerradas e o nariz pontiagudo pronto para atingir alguém.
Estava visivelmente descontente enquanto apertava sua bíblia com força e falava
sem parar com a mulher que o acompanhava, tenho a impressão de que a estava
repreendendo por alguma coisa. Mas pelo que? Eles não estavam voltando da
igreja?
Penso que as pessoas deveriam sair felizes depois de ir à igreja, não deveria
ser assim? A mulher era alta, estranhamente mais alta do que ele e também mais
alta do que eu, acho que tinha mais ou menos um metro e noventa de altura. Era
forte, um pouco gorda mas não muito, seios médios, bunduda, morena, cabelos cacheados
presos num coque atrás da cabeça que tinha feições redondas, olhos redondos,
nariz chato, boca carnuda. Estava visivelmente decepcionada ou simplesmente de
saco cheio de ficar ouvindo o marido falando sem parar aquela algaravia toda com ela. Trajava uma
blusa verde comum, a bíblia bem presa debaixo do sovaco direito, uma saia muito
comprida bege que escondia completamente suas pernas e uma sapatilha muito
simples e também bege. Se você olhasse bem para ela chegando ali ao
lado dele naquele momento poderia dizer que a expressão no rosto dela queria
dizer "puta cara chato" ou "ai meu Deus, onde é que eu fui
amarrar meu burro".
Era um casal muito feio e esquisito, não posso deixar de
dizer. Mas o mais estranho e o que mais me intrigava era o motivo pelo qual ele
brigava tanto com ela. O que ela poderia ter feito? Era óbvio que tinham
acabado de sair da igreja próxima dali do bairro e eu de repente me perguntava
o que é que uma mulher pode fazer para chatear tanto um cara dentro de uma
igreja?
Pararam na frente do estabelecimento e continuaram sua
estranha maneira de relacionar-se. A mulher calada o homem falando sem parar na
orelha dela, que olhava para o chão. Eu tomei um gole de chope e pensei; será
que eles estão decidindo o que pedir? Mas creio que não. Ele estava falando de alguma outra coisa
no ouvido dela. Parecia um Hitler gesticulando e falando de maneira
contundente. Parecia falar e repetir as mesmas coisas sem parar.
Por fim a mulher saiu de perto dele e foi ao banheiro
enquanto ele ficou parado ali comendo unha. Quando ela saiu não se aproximou
dele. Foi sentar-se no fundo perto das duas meninas que eu havia mencionado
anteriormente. Sentou-se e ficou olhando para os dedos. O homem depois de ter dispensado
o garçom já por duas vezes aproximou-se, entrou, colocou sua bíblia sobre uma
das mesas e as duas mãos sobre o encosto de uma das cadeiras. Ficou observando
a mulher lá no fundo com um olhar faiscante. Creio que estava sentindo muito
raiva. A mulher, por sua vez, parecia serena observando os dedos. Então, depois
de alguns minutos o homem pegou sua bíblia e se aproximou da mulher. Sentou-se
ao lado dela devagar e colou a bíblia sobre a mesa. E então foi a vez de ela
começar a falar. Falou durante uns cinco minutos sem parar enquanto e homem se
abaixava e colocava as mãos sobre os joelhos e olhava lá para fora como se
estivesse esperando alguém. Estava vermelho e eu creio que era de ódio. Ás
vezes ele se se encostava na cadeira e levava as mãos ao rosto, esfregava e
depois colocava as mãos novamente sobre os joelhos. E então a mulher de repente
parou de falar e eles ficaram alguns minutos em silêncio. Ele com os mesmo
trejeitos e ela apenas com a cabeça baixa olhando para os dedos. Parecia que a
discussão havia finalmente acabado e restava aquele clima de rancor sobre
alguma coisa. E então depois de alguns minutos a mulher se levantou e foi fazer
o pedido. Aproximou-se do caixa, pegou o cardápio e ficou lendo por algum
tempo. Voltou e sentou-se. Acho que perguntou alguma coisa que o sujeito
respondeu com rispidez e levantou-se carregando sua bíblia e saiu do estabelecimento para
observar a rua. A mulher continuou ainda algum tempo ali sentada sem saber o
que fazer. Ficou observando o marido de longe. Logo se levantou e foi atrás
dele. Ela caminhava de uma maneira lenta e intransigente. O homem, talvez por
afetação, ao vê-la aproximar-se novamente dele voltou alguns passos e sentou-se
numa das cadeiras do lado de fora. Eles estavam visivelmente numa disputa sem
sentido, estavam de saco cheio um com o outro sem dúvida nenhuma. A mulher
agora é que observava a rua.
Algumas pessoas reclamavam da demora e eu tomava meu chope.
Duas mulheres chegaram e começaram a se engraçar com o sujeito gordo que tomava
chope perto de mim. Fizeram seus pedidos e foram sentar-se para esperar. Depois
vieram dois bêbados rindo muito e falando com todos.
Quando eu voltei minha atenção ao casal de crentes o homem
estava novamente em pé ao lado da mulher falando e gesticulando como Hitler em
seus discursos. Por que é será que brigavam? Ciúmes? Crentes sentem ciúmes? Quando vão à
igreja? Seria isso? Não, não podia ser. A mulher estava com os braços cruzados
sem nada argumentar. Eu pensava comigo que se era para ir à igreja e sair
daquele jeito era melhor não ir. Que coisa! Logo a mulher afastou-se e veio
fazer o pedido. Parecia que tinham chegado num consenso. Será que estavam
discutindo o sabor da pizza? Ou o que pedir? Pizza ou esfirras?
Depois de fazer o pedido ela voltou lá para fora e eles
sentaram-se numa mesa longe do meu campo de visão. Eu fiquei um tempinho por
ali tomando meu chope e sacando as outras pessoas do lugar. Logo minhas
pizzas ficaram prontas e eu as apanhei juntamente com a garrafa de refrigerante
e saí. Dei uma olhada para trás para ver onde o casal de crentes estava e os vi
encostados numa mesa junto da parede do lado fora. O homem olhava para um lado
e a mulher para o outro; sentados com suas bundas viradas uma para a
outra. Sabe quando o casal está brigado e dorme na cama, cada um do seu lado.
Era exatamente assim que eles estavam se comportando à mesa enquanto esperavam
o pedido, após terem saído de um culto "supostamente abençoado".
Morpheus
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
PELA JANELA
Sinto muito crianças
mas hoje eu não poderei brincar com vocês
tudo o que eu quero hoje é a solidão
quero estar só
Vou rasgar os pulsos da razão
e deixar que o sangue pingue na folha
em forma de poesia
Vou prestar atenção ao silêncio
Mas antes que a vida se vá totalmente
vou costurar a sangue frio
a carne dilacerada
e volver à realidade
como alguém que sai de um banho tépido
E assim...
Louco & demente & devastado por um sentimento inefável
vou pulverizar sonhos pela janela
Morpheus
sábado, 10 de outubro de 2015
POESIA HEREDITÁRIA
Não escolhi ser poeta; assim nasci
e vivo quase sem medo
das vozes todas e do aedo
E foi desta maneira que eu cresci
Não escolhi nem mesmo nascer
mas aqui estou e já sou pai
enquanto toda vida se esvai
em cada vermelhidão de entardecer
Quero romper a mesmice num impropério cauteloso
quero usar palavras
à toa, apenas por usar... e até ser garboso
como um dia foram os antigos poetas irmãos
que mais escreveram
do que juntas as minhas duas mãos
Morpheus
terça-feira, 29 de setembro de 2015
O POEMA QUE ME ESCAPA
O poema que me escapa
A palavra que faltava
eu não lembrava...
não lembrava
O pensamento que me foge
que me foge
Uma ideia – bicho arisco –
um corisco,
cisco
levado pelo vento
Vento que me rouba o poema
o fonema
e o verbo tão dizente.
Infelizmente...
é o poema que me escapa
Morpheus
domingo, 20 de setembro de 2015
AS LEGIÕES
Subo a ladeira
carregando comigo as legiões todas,
pelo caminho os rostos são bizarros,
furibundos,
eternamente frustrados
Estou cansado...
nem todos podem suportar o fardo
poucos sabem o que é viver sendo o bardo
mas eu sou forte demais para ser vencido por eles
Eles não sabem de onde venho,
não conhecem minha história,
sabem muito pouco sobre mim
e acham que podem me enganar
Assim eu continuo caminhando
e as legiões seguem em meu encalço
com suas línguas pútridas e fedorentas
dizendo suas frases agourentas
Eles acham que podem me vencer,
acham mesmo que podem me derrubar
mas eu nunca lhes falei
da imensa força de vontade que pulsa em mim
Chego ao topo da ladeira
e encontro outros demônios
ainda mais cruéis
que me recepcionam com sorrisos
e frases de companheirismo
Caminho entre os demônios,
falo-lhes em seus próprios dialetos;
sorrio como se fosse um deles
Mas eles nada sabem sobre mim
Eles falaram e riram entre si por muito tempo,
comeram, beberam e dançaram seus ritmos tribais
mas eu não
eu não dancei,
não queria me tornar um deles
Jamais me tornarei um deles
Morpheus
quarta-feira, 9 de setembro de 2015
POEMA ESCRITO EM TRÊS DIAS POR UM HOMEM QUE JÁ NÃO CONSEGUE CHORAR
Presto muita atenção
quando alguém chora diante de mim
ou me conta que chorou
Acho isto bonito.
Interessante.
E fico pensando e recordando do tempo
em que eu conseguia chorar
Mas que coisa mais linda é o pranto!
Se alguém chora diante de mim
eu acho isso absolutamente lindo
Entretanto, este ato de entrega,
esta imagem de catarse,
depura demonstração de humanidade
nem sequer arranha a metálica superfície inexorável
do meu coração
Ver a facilidade com que minha filha chora,
é um privilégio
Observar qualquer pessoa se descompondo
e deixando as emoções brotarem líquidas
é lindo,
é humano, é verdadeiro, é maravilhoso
Mas já não me afeta como deveria;
não,
não como outrora acreditei na verdade humana
Alguns prantos são dissimulados,
outros são forçados,
alguns até induzidos
e há os que são pura arte cênica
Estes eu ignoro totalmente
Os outros, os verdadeiros;
destes eu tenho inveja,
pois há muito tempo não sou capaz de alcançá-los
numa transcendência catartica do espírito
e dos olhos
Eu sou um destes rios que desaparece na estiagem
e não retorna na pluviose
Sou um homem de pedra
aprimorando suas técnicas rudimentares para obter precisão
nas acerções diáfanas necessárias a vida
e ao tecnicismo vazio
Mas eu gostaria de chorar
como um dia já chorei
Eu gostaria de chorar e de me desfazer em lágrimas
e me sentir pungido
como um animal ferido
que sente dor e sofre desesperadamente
ressentindo-se de seu predador voraz
Mas parece que as dores
não podem mais tanger esta alma miserável
As dores carnais e primitivas pouco podem,
as dores abstratas da psique fenecem lentamente
em virtude da estabilidade concreta
da rotina dos dias de um homem de bem
Eu gostaria de poder chorar
Mas os meus inimigos são incapazes
de me atingir
(ou serão demasiado incompetentes?)
Não me difamam,
não rogam pragas,
não sofro acidentes,
não perco dinheiro (não preciso de muito dinheiro),
não sei o que é terremoto,
não me sinto inferior,
estou sempre em minoria e isto me apraz
Casualmente minha mulher me pediu ajuda
e eu, ao ajudá-la a cortar cebolas
derramei uns pingos de lágrimas
Não eram verdadeiras, é claro,
não compunham sequer um pranto
mas serviriam como ponto final
para uma poesia árida
Morpheus
sábado, 29 de agosto de 2015
CADA GOLE DA BEBIDA
uma cerveja bem gelada
depois de uma boa trepada
e todos os problemas do mundo se dissolvem
como num passe de mágica
eu acredito no amor
como uma plena celebração da vida
e eu acredito no sexo
como plena manifestação de vida
e, é claro que eu acredito em mim
no sexo, no amor e em cada gole da bebida
Morpheus
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
COMEDOR DE LIVROS
Eu sou um devorador de livros que digere suas leituras à sombra de uma árvore psicodélica qualquer. Cada bocado tem um sabor próprio, incomum. Mas ás vezes; e isto não é muito raro, os sabores se parecem.
Eu caço leituras onde a precariedade dos cérebros se alastra e se aniquila de forma inconsciente e vil.
Procuro letras, capturo frases. Perscruto. Eu sou um devorador de livros que vomita poemas e assopra contos para dentro de receptáculos que estão sempre à margem. Aliás, a margem é quase sempre o melhor lugar para se estar. O melhor lugar para se descansar sem perceber qualquer dissonância no tempo e apreciar detalhadamente os profusos sabores. Para se estar no centro dos acontecimentos é preciso estar sempre defronte de indignações, revoltas e injustiças, por isso...para se estar no centro dos acontecimentos é preciso estar louco. Estar à margem, me permite a sobriedade.
Eu sou um devorador de livros que prefere estar à margem. Só. Ouvindo o ruído do nada; de sua própria respiração. Eu sou um devorador de livros que prefere não estar no centro do torvelinho mas que, paradoxalmente, pode estar ubiquamente em ambos os lugares.
Eu caço leituras onde a precariedade dos cérebros se alastra e se aniquila de forma inconsciente e vil.
Procuro letras, capturo frases. Perscruto. Eu sou um devorador de livros que vomita poemas e assopra contos para dentro de receptáculos que estão sempre à margem. Aliás, a margem é quase sempre o melhor lugar para se estar. O melhor lugar para se descansar sem perceber qualquer dissonância no tempo e apreciar detalhadamente os profusos sabores. Para se estar no centro dos acontecimentos é preciso estar sempre defronte de indignações, revoltas e injustiças, por isso...para se estar no centro dos acontecimentos é preciso estar louco. Estar à margem, me permite a sobriedade.
Eu sou um devorador de livros que prefere estar à margem. Só. Ouvindo o ruído do nada; de sua própria respiração. Eu sou um devorador de livros que prefere não estar no centro do torvelinho mas que, paradoxalmente, pode estar ubiquamente em ambos os lugares.
Morpheus
domingo, 19 de julho de 2015
UNÍSSONO PAÍS SEM DINASTIA
Sou rei,
meu império é o do silêncio
e reinar é calar-se e sentir a vida e a poesia
A quietude é o meu exercer domínio
e o meu domínio é saber
que nesta mansidão não é preciso senão
calar-se
e estar à mercê de meu feriado
A beira de cada hora
sentar-se à mesa como um digníssimo déspota
sem súditos nem arautos
mas com um reino todo a cada ato de
calar-se
e sentir a vida e a poesia
num uníssono país sem dinastia
Morpheus
sexta-feira, 10 de julho de 2015
A VERDADE DOS MEDÍOCRES
Nem sempre se é reconhecido pelo que se faz
e isto é fato tão comum e amiúde que; aliás
até atormenta
a mente
de todo aquele que supostamente
se julgue merecedor de alguma coisa
Tem-se aí o fomento da ojeriza
e da aleivosia que a ninguém nunca avisa
mas que chega fazendo estragos como um vendaval
mas a quem importa
o futebol, a novela, a popularidade, o carnaval?
Haverá de ser, certamente, um fator cultural
esse desinteresse pragmático,
e o meu papo de lunático...
Haverá de ser, certamente, coisa de desocupado
vagabundo, louco, bêbado, desorientado
pois eles é que sabem
que entendem
que conhecem
e que praticam
a eterna verdade dos medíocres.
Morpheus
sexta-feira, 19 de junho de 2015
A OFERENDA
Consiste de algo muito simples
apenas um prato branco de vidro
do mais barato que se possa encontrar
Sim, é um prato o que vos ofereço
um prato branco apenas
com o produto de minha oferta sobre ele
e isto, o tal produto, é em que consiste tal oferta
É algo inodoro, insípido e incolor
mas diferentemente da água não alimenta
muito pelo contrário, pode até minar forças
E minha oferta, na verdade, ao que me parece;
nem mesmo pode ser considerada uma oferta
já que é o antagonismo daquele que deseja presentear
O que vos ofereço
é o desprezo...
Te entrego
o meu desprezo numa bandeja;
a minha indiferença
em parcos momentos espaçados
como um peido que escapa aos poucos
Então; é isso. Uma ausência
mas se me forças a presença
eu peido do teu lado
sem avisar
e saio em silêncio
para que degustes a repugnância
do cheiro
Morpheus
terça-feira, 19 de maio de 2015
VOCÊ
Você diz que conhece Deus
antes mesmo de ter passado pelas saletas de torturas dos infernos
Fala de doutrinas
sem jamais ter pulado o muro da escola para fumar maconha
Você fala tantas coisas
politicamente corretas...você...
Quem é você?
Que mente com tanta honestidade...
Quem é você?
Que me olhava como se me adorasse
e que me tocava como se eu fosse o último dos homens
Te pedi uma noite e você só me deu quatro horas
A vida é muito curta para ser apenas trabalho
e também pode ser muito longa para ser apenas curtição
Felizmente, você se foi,
já não me atormenta mais
e assim eu posso então viver meus próprios tormentos
Morpheus
sábado, 9 de maio de 2015
O LAGO DORMENTE
Estávamos a espera...
esperávamos a efígie
no porto cinzento do lago dormente
SEM TEMPO
Algo movia-se rasteiro
bisbilhotando um ícone, uma forma, uma palavra
espreitando um estigma temporário
para símbolos latentes
que se movem inconscientes nas águas do lago dormente
(quando percebi que era o meu pensamento fugídio
se esgueirando pela relva, escapando,
crocitando, espiando, atraiçoando-nos
- o pensamento - este pequeno animal
já havia escapulido por entre as folhas e a escuridão)
Figuras sem cor e arautos neurastênicos
anunciando qualquer epíteto inconsistente
que afunda após seu nascimento absurdo
nas águas escuras e pesadas do lago dormente
acotovelavam-se num mutismo desolador
UM FANTASMA
Uxoricídio, fratricídio, matricídio, parricídio, genocídio,
crimes característicos de vidas de plástico...
as névoas repousando sobre dias de sol,
dias vomitados a beira das janelas bisbilhoteiras,
a fome, a sede, a luz
Aranzéis requintados se desfazendo como fumaça
dissimulando atitudes altruístas
os momentos que não deixam vestígios
levando consigo o sentido das palavras
nada,
nada adiantará pois o lago ainda será dormente
E os aranzéis e os crimes todos continuarão
em suas margens mortas
enquanto estamos assistindo a tudo e nos entorpecendo
e consumindo produtos e dizendo obscenidades,
é a vetusta loucura do mundo, é a natureza humana
Minha visão do lago foi um flash translúcido na noite;
sua lembrança será eterna
Tantas histórias apodrecendo, tantas fábulas
mofando sem que ninguém perceba
TÍSICA VENTANIA
VEM O VENTO DOS
HEMISFÉRIOS E A
LUZ HOMO SAPIENS
OBNUBILA-SE LENTAMENTE
Nulo o momento pelo qual se estendem
as possibilidades das sintaxes absortas no papel
anularem-se sistematicamente trazendo à tona
a síntese de um tronco vazio, oco...
Morpheus
domingo, 19 de abril de 2015
A CARAPUÇA
se a carapuça serviu
é por que a culpa é presente
e se a culpa é presente
é por que a consciência constatou o erro
consequentemente
diante de tal constatação subentende-se que, de fato,
há ou houve um erro
(que não é senão idiossincrasia tão peculiar da natureza humana)
e as idiossincrasias estão por aí a bailar
em torvelinhos mutantes
nas portas dos bares mesquinhos
nas calçadas invisíveis onde todos pisam
ou em qualquer lugar onde haja resquício
desse bicho humano
Morpheus
quinta-feira, 9 de abril de 2015
PENETRAR SURDAMENTE
meu desejo intransigente
eclode
agride
explicita
meu desejo intransigente
enrijece
pulula
excita
sem ponderar peias ou padrões
prepondera seu porte na porta
aonde sem espera
penetra
Morpheus
domingo, 29 de março de 2015
SOLIDÃO
Fechei a porta do apartamento e escapei pelas escadas. Não queria enfrentar o elevador, não queria ver a cara de ninguém e no fim das contas eram apenas cinco andares. É claro que eu me preparei psicologicamente para cumprimentar o seu Domingos que eu inevitavelmente encontraria no fim da escada mas isto não chegava a ser um problema por que seu Domingos era do tipo calado que nunca esticava o assunto.
Já na calçada eu podia respirar livremente; eu podia ser eu. Por que havia momentos em que eu não conseguia ser eu em minha própria casa. Minha família não me deixava respirar, sempre precisavam de mim para tudo, até para ver televisão. Entretanto eu, ao mesmo tempo também não posso deixar de dizer que até gostava disso. É uma coisa incoerente eu sei; mas era exatamente assim que eu me sentia. De qualquer modo naquele momento eu precisava de um pouco de ar puro e de um pouco de solidão. Eu queria pensar. Queria olhar. Queria viver. Queria apenas estar ausente. É; acho que era isso no fim das contas. Eu não me sentia triste, queria apenas me sentir eu mesmo. Talvez eu quisesse apenas “sentir”.
E caminhando pela calçada eu podia me sentir assim. O fato é que naquele momento eu precisava me sentir assim, mais livre e mais distante. Era apenas isso. Um homem não precisa de muita coisa na vida, somente os idiotas é que precisam de muitas coisas.
Pensei em ir até o bar, mas hesitei um pouco. Eu não queria conversar. Então saí caminhando quase sem destino certo. Entretanto esta indefinição, na verdade, me levava apenas ao bar, como sempre. Passei em frente e apenas dei uma olhada de esguelha para confirmar o que eu já sabia, estavam todos lá. Todos concentrados na TV. O Brasil estava vencendo a copa das confederações, os jogadores estavam todos lá, comemorando e a torcida também. No bar todos tinham os olhos vidrados na televisão. Eu gostava de futebol, gosto ainda. Mas naquele dia eu simplesmente não me sentia a fim, eu estava chato, esta é que era a verdade. E o fato de o Brasil estar vencendo a copa das confederações era uma oportunidade perfeita para uma escapadela. Mudei a rota seguindo para a praia. Me aproximei de um dos bancos, sentei, acendi um cigarro e fiquei olhando para o mar.
Tudo estava em ordem. Emprego estável embora maçante, prestações do apartamento em dia, as crianças crescendo, a vida correndo mansa, o que é que me faltava? Afinal todo emprego é maçante, todas as prestações um dia acabam e as crianças um dia se tornam adultos de verdade. O que é que me incomodava? Eu pensava nisto enquanto olhava para o mar, pensava em mim. Eu tinha uma boa mulher na qual confiava tranquilamente e que estava ao meu lado em todos os momentos. Convivia bem com o resto da família. Eu tinha tudo e estava cometendo o pior pecado, a ingratidão. Eu estava sendo ignorante, estava sendo ingrato.
Quando terminei o cigarro apenas me levantei e sai andando. Não importava muito para onde é que estava indo. Caminhei um pouco pela avenida Atlântica sentindo aquela brisa gostosa do mar e depois entrei pela rua Hilário Gouveia. Segui por sei lá quantos metros até que fui abordado por ela próximo de uma banca de jornais.
O mesmo jeito de sempre, minissaia minúscula, peitinhos exuberantes branquelos pedindo para serem mordidos, batom vermelho escarlate exagerado e aquela maquiagem toda nos olhos para...esconder as olheiras? Sei lá, eu sei que eu sempre passava por ali e aquela loirinha me chamava e me convidava insistentemente para fazer um programa com ela. Era uma garota jovem, por que é que não fazia outra coisa da vida? (Eu me perguntava, ás vezes) Quando eu me aproximei ela veio logo perguntando: "vamos?"
Eu aquiesci com um gesto de cabeça e lá fomos nós.
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