O sujeito se aproximou de
repente e me disse:
-
Será que o senhor pode me ajudar?
- Talvez.
- Talvez?
- Sim.
- Como assim?
- Pode ser que eu possa ou pode ser que eu não
possa.
- Gostaria apenas de pedir uma informação.
- Ah, então é bem provável que eu possa
ajuda-lo; que tipo de informação exatamente o senhor necessita?
- Eu... bem, não sei muito bem.
- Não sabe muito bem. (arregalando os olhos)
- É...
- Então não poderei ajuda-lo, desculpe-me.
- Espere talvez você possa. É; talvez você possa me ajudar.
- Então fale.
- Acontece que eu não sou daqui.
- Sei.
- E eu... estou tentando chegar a um lugar.
- Que lugar?
- Este é o problema, sabe.
- Qual é o problema?
- Acontece que eu... eu não sei muito bem para
onde ir.
- Se não sabe para onde quer ir então eu não
posso ajuda-lo.
- Mas você poderia me indicar um caminho.
- Para onde?
- Para qualquer lugar.
- Não posso fazer isso.
- Por quê?
- Porque você é quem tem que decidir para onde
quer ir.
(pequena pausa hesitante)
- Parece que você tem razão mas eu ainda não
consegui me decidir para onde quero ir.
- Então não posso ajuda-lo.
- Eu vou para qualquer lugar, foda-se.
- Ah, há há há há há; agora você me fez
lembrar de Alice.
- Alice?
- Sim.
Aquela do país das maravilhas.
- Nunca ouvi falar.
- Nunca ouviu falar em Alice no País das
Maravilhas?
- Não até este momento.
- Puxa! Você é estranho!
- Eu te disse que eu não era daqui.
- Por que não procura por alguém que possa
realmente ajuda-lo, eu não posso fazê-lo, bem vês.
- Fale-me sobre Alice.
- O que?
- Alice, me fale sobre ela.
- O que você quer saber?
- Você disse que eu estava parecendo Alice no
País das Maravilhas. Por quê?
- Quer mesmo saber?
- É claro, agora sei que você pode me ajudar.
- Pois bem, ouça. Alice estava perdida no país das maravilhas e
encontrou Cheschire de repente no...
- Cheschire?
- Sim, Cheschire. Um gato.
- Esquisito isso.
- Apenas ouça, está bem?
- Vá em frente.
- Então, como eu dizia. Alice estava perdida no país das maravilhas e
encontrou Cheschire no meio da floresta e então perguntou a ele para onde
deveria ir e ele apenas lhe respondeu; bem, isto depende muito do lugar aonde
você quer ir. Ao que Alice replicou;
para mim qualquer lugar serve. E então
Cheschire disse-lhe; ah então não importa o caminho que você irá escolher. Entendeu?
- Sim... faz muito sentido.
- Pois é.
- Isto elucida muito bem a minha situação, mas
não me aponta um caminho.
- Porque o caminho quem tem que escolher é
você.
- De fato, mas isto não é algo muito fácil de
se fazer.
- Às vezes sim, às vezes não. Na maioria das vezes é muito difícil de se
fazer.
- Oh meu Deus!
- Talvez haja algumas possibilidades extremas.
- Quais?
- O fim do mundo e o centro do mundo!
- Isto parece interessante.
- Certamente.
- Pois então eu vou para o centro do
mundo. É longe?
- Pode ser aqui mesmo. Depende muito do ponto de vista.
- Ah, então já estou nele.
- Mas, na verdade, quando me referia ao centro
do mundo falava mais especificamente do centro econômico e político do mundo.
- Ah, então não é aqui!
- Não.
É muito longe daqui.
- E o fim do mundo?
- É um lugar onde só há neve, frio e ventos
terríveis.
- Parece cruel.
- Por isto eu chamo de fim de mundo.
- E como é o centro do mundo?
- É um lugar onde você pode encontrar qualquer
coisa que deseje. Há muitas metrópoles
cosmopolitas, luzes, multidões, edifícios e coisas tantas que eu poderia passar
um dia inteiro falando-lhe sobre isto e ainda assim não seria o suficiente.
- Acho que agora tenho um rumo.
- Vai para o centro do mundo?
- Acho que sim.
Como faço para chegar até lá?
- Isto depende.
- Do que?
- Vai de avião?
- Vou a pé.
- Ah então você vai levar muito tempo até
conseguir chegar àquelas terras.
- Tenho muito tempo. Por onde devo ir?
- Caminhe para o norte por infindáveis
dias. Caminhe sem parar. Caminhe até que o chão onde estiver pisando
tenha se tornado uma terra árida e seca e o sol tenha se tornado tão abrasador
que seja impossível caminhar durante o dia.
Isto levará muito tempo, você terá que ser muito forte. Depois siga para o oeste por infindáveis dias até
certificar-se de que chegou ao planalto e aí continue caminhando sem parar até
alcançar regiões alagadas, quando isto acontecer siga num ângulo de 120 graus
para noroeste e caminhe por uns três dias.
Evite morros e adentre a região de floresta, é por lá que deverá seguir
agora por infindáveis dias. Prepara-te
para atravessar muitos rios e suportar muitas chuvas. Carregue sempre dinheiro consigo, será
preciso. Siga para o norte sem parar
atravessando toda a região das florestas, siga para o norte até encontrar
pessoas que falam espanhol, esta parte será difícil e perigosa, é bom que tenha
uma boa mochila também porque vai precisar levar algumas coisas, mas leve o
mínimo possível para evitar um peso desnecessário. Daí por diante terá que pedir algumas
informações mas, basicamente seguirá sempre para noroeste durante muito, mas
muito tempo. Atravessará alguns países
mas todos razoavelmente parecidos. Não
se canse. Estará no rumo certo sempre
seguindo para noroeste. Mas chegará um
dia, quando descobrir que está num país chamado Panamá, em que terá que seguir
para sudoeste num ângulo de uns...deixe-me pensar... 190 graus talvez e isso
por uns cinco ou seis dias mais ou menos.
Aí depois retome o rumo norte-noroeste.
Atravessará estradas difíceis.
Quando chegar a uma imensa cidade chamada Cidade do México, anime-se,
você estará no rumo certo e este será o momento de apertar o passo em direção
ao norte. Mas não pense que será fácil,
será tudo muito, muito difícil mesmo, difícil e cansativo. Você terá que ser perseverante e estar
preparado para ouvir muita gente aconselhá-lo a desistir. Não dê ouvidos a eles, continue. A parte difícil será atravessar a fronteira,
mas estou certo de que conseguirá. Tenha
muito cuidado quando alguém gritar; LA MIGRA, LA MIGRA! Se ouvir isto corra, fuja, seja rápido, se
preciso for esconda-se. Mas enfim,
depois que passar por tudo isto é provável que ainda tenha que atravessar um
deserto. Neste momento estará caminhando
aonde as pessoas falam inglês e terá que ser muito esperto. Deverá tomar o rumo norte-nordeste sem parar
até alcançar uma cidade chamada Nova York, ou melhor, lá eles dizem New York,
sacou? New York e então, muito
provavelmente neste momento terá alcançado o centro do mundo.
- Parece algo incrível!
- E é.
- E se eu resolver rumar para o fim do mundo?
- Então a direção que deve seguir é sul.
- Sul, sudoeste, às vezes sul, sudeste.
- É mais distante que o centro do mundo?
- É menos distante mas, muito mais difícil de
se chegar.
- Será?
- Com toda certeza.
- Como pode afirmar isso? Já esteve lá?
- Não.
- E no centro do mundo, já esteve?
- Não.
- E como sabe destas coisas?
- Bem, eu sei de algumas coisas.
- Você fica aí parado o dia todo e pensa saber
das coisas.
- Fico parado aqui porque trabalho aqui.
- E seu trabalho é falar com pessoas?
- Sim, exatamente. O senhor é muito perspicaz.
- Obrigado.
- De nada.
- Mas então você fica aí parado e fala com pessoas, é isso?
- Sim, eu fico tentando vender sapatos.
- Parece interessante.
- E é. Mas sabe, há momentos em que isto me chateia mesmo.
- Sério?
- Sim, um dia vou sumir daqui.
- Sempre é preciso de novidade na vida, não é meu amigo?
- Com certeza.
- Você está nessa há muito tempo?
- Já faz alguns anos.
- E quando pretende sumir?
- Não sei, eu fico tentando mas nunca consigo.
- Talvez você tenha se acomodado.
- Ou talvez eu esteja aprisionado...
- É.
- Pois é...
- Há muita coisa por aí, muita vida.
- É, eu sei.
- Você parece ser um bom sujeito.
- Eu tento ser um bom sujeito.
- Basta ser quem você realmente é.
- É... acho que você tem razão.
- Bom, então eu já vou indo.
- Boa viagem amigo.
- Obrigado – e foi saindo.
- Mas, ei; você vai para onde? Vai mesmo para o centro do mundo?
O homem se virou sorrindo.
- E porque é que você quer saber?
- Eu apenas perguntei.
- Os caminhos vão surgindo e eu vou seguindo
por eles. Você já me ajudou bastante,
muito obrigado. Espero que um dia
encontre também o seu caminho e não precise mais ficar aí vendendo seus
sapatos. Até um outro dia.
Morpheus
Nenhum comentário:
Postar um comentário