Esperei até que o inverno finalmente chegasse
e os dias se tornassem mais curtos
Esperei até o dia em que tudo estivesse
acontecendo da forma mais natural possível
e que jamais alguém pudesse imaginar ao me ver
que eu já não os tinha mais ao meu lado
Escolhi um final de tarde de sábado quando o vento era frio e cortante
e o sol parecia morno por entre as folhagens das árvores
Não pensei em nada para dizer antes da hora
e quando cheguei tudo estava exatamente como antes
Eles estavam à minha espera
e enquanto eu descia a ladeira do cemitério
pensava na brevidade da vida
e na insignificancia de nossa passagem,
pensava em minha filha,
nas contas que iam vencer,
e pensava em como eram bonitas algumas lápides
Aos poucos me emocionava sem querer,
mas quando cheguei diante dos túmulos
tudo era frieza
eu não sabia o que dizer
eu...
eu deveria dizer alguma coisa?
para quem?
LÁPIDE DE CONCRETO
datas de nascimento e morte;
vento frio e cortante
eu ali parado
Permaneci fitando a frieza cinzenta dos túmulos
Estava cansado
Tentava me lembrar de minha mãe, de meu pai;
queria reter a lembrança deles em minha mente
Queria me lembrar deles
eu queria, queria muito
Mas havia um túmulo à minha frente
um túmulo
Chorei
Senti saudades, muitas saudades
Aos poucos me senti mais à vontade e comecei a falar
com mamãe e papai...
já faz algum tempo que não venho,
eu ando correndo por aí
eu ando trabalhando muito, mas vocês; bem, vocês ficariam orgulhosos
de mim
(e chorei)
hoje eu sou chefe de família,
em breve terei mais uma filha,
me atrevo a escrever poesia
eu...
posso ser meio maluco mas;
sinto falta de vocês
E lhes falei
que somente eu fiquei
naquela casa
Somente eu tenho tudo ainda comigo
a saudade e o silêncio
quando lá estou sem o meu velho e a minha mãe
Somente eu, poeta orgulhoso
ouvindo Pink Floyd na velha casa dos velhos que já se foram
Somente eu...
não quero esquecer o metalúrgico e a telefonista
somente eu sou suficientemente egoísta para pensar
que somente eu tenho saudade de vós
Mas somente eu
fiquei sozinho naquela casa...
lembrando do tempo em que mamãe chegava trazendo biscoitos de polvilho
e papai meio chapado demorava a estacionar o carro
e eu era menino
Hoje sou homem
e já deixei as coisas de menino
Por isso trabalho demais e assim como papai
ás vezes bebo demais
e assim como mamãe, me estresso ás vezes
e assim de meses em meses
o tempo vai passando
e a saudade vai ficando
Saudade é inefável
portanto, depois de conversar um pouco
pedi licença
me despedi e fui embora
Deixei mamãe e papai prometendo voltar outro dia
mas quando cheguei em casa aquela saudade ainda existia
Morpheus
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