Então era isso, lá estávamos nós, eu,
Tertuliano e Zacarias numa sala de mais ou menos doze metros quadrados. Já
haviam se passado uns bons dois ou três minutos sem que ninguém dissesse
palavra. Eu estava vencendo, estava conseguindo vencê-los em seu próprio campo
de batalha. Não era uma tarefa fácil, devo admitir, mas minha resignação calada
os pejava e, aos poucos ia minando aquela vontade que eles tinham de permanecer
falando sem parar. No mais eu apenas os respondia por monossílabos ou fingia não ter
ouvido de que se tratava, colocava a mão em concha no ouvido e perguntava; “o
que?”.
Agora eu brincava com meu pé, erguia, colocava no
chão, ajeitava o cadarço, pisava e repisava como se houvesse algo de interessante
num estúpido e simplório pé. Tertuliano olhava para o teto, depois para as
paredes, pensava, procurava alguma coisa para dizer. Zacarias, de frente para
ele em sua mesa de vidro glacial rabiscava qualquer desenho abstrato no papel,
afastava o cabelo do olho, sugava com força o ranho do nariz. O patrão não
chegava, não ligava e ninguém sabia muito bem o que fazer. Os três continuavam
enrolando de acordo com a ordem cósmica das coisas até que o gongo soasse.
É claro que não podemos ser filósofos o tempo todo,
mas conversa fiada demais também é insuportável. Tertuliano e Zacarias passavam
o tempo todo falando trivialidades ou fazendo fofoca da vida alheia. Eu me
mantinha ausente, fingia ser um vegetal, um vaso de planta esquecido ali na
sala e sem importância alguma. Não queria fazer parte daquilo, tinha meus
próprios problemas, minhas próprias intrigas para resolver, minhas contas para
pagar e todas as questões sem resposta que pairam sobre o universo. Por isso eu
divagava largamente enquanto cutucava os dedos das mãos. De repente me lembrava
do cheiro de cu suado e sei lá o que mais que se misturava no ônibus toda a
tarde quando eu saia do trabalho. De repente me lembrava que seis lindas e
geladas latinhas de cerveja esperavam por mim na eternidade de uma geladeira
muda. Pensava em me esgueirar até o armário e me refugiar no romance que estava
lendo, mas não; eles me entregariam certamente. Esperavam apenas a oportunidade
propícia, o deslize, o erro bobo para finalmente se livrarem de mim. Eu não
podia claudicar, não naquele momento. Como numa partida de xadrez eu tinha que
fazer o movimento certo e o movimento certo, neste momento, era manter-se nulo
como a serpente que espera a presa vacilar diante de si para aplicar o bote
certeiro.
Quando dei por mim eles haviam recomeçado o
lengalenga. Falavam de cores de camisas polo e tipos de cortes de calça e sei lá o que
mais. Um papo furado insuportável do caralho! Tertuliano agora já mudava de assunto e passava a falar de programas
estúpidos de televisão que Zacarias também não suportava. Ah! Finalmente, um
ponto de rompimento. Agora era só esperar mas...surpreendentemente Zacarias
começava a falar de um outro programa idiota e a conversa continuava no mesmo
ritmo. Eu sorrio, faço de conta que estou entendendo tudo, prestando atenção,
sendo amigável. Olho pela janela e vejo lá fora um pássaro pousar suavemente
sobre o muro, o céu está limpo, uma brisa bafeja na janela e os caras ao meu
lado agora difamam não sei quem. Conversa insuportável! Passam-se mais uns dez
minutos neste ritmo e eles ainda estão tentando me convencer a participar
daquela porcaria toda. Mas eu resisto, tenho personalidade, sou mais eu.
Por fim Tertuliano levanta-se dando uma desculpa
qualquer e Zacarias o segue dizendo que vai ao banheiro. Em pensamento eu
comemoro. Os venci finalmente. Eles saem da sala e me deixam sozinho talvez sem
saber que estou tão feliz por finalmente estar distante deles.
Morpheus