O POETA NOTÍVAGO
Blog literário contendo apenas contos e poesias.
domingo, 30 de julho de 2017
O PEIDO DA SALAMANDRA
O peido da salamandra
ecoou como um mantra subversivo
na mente dos brutos
que insistiram veementemente
em lutar sua luta louca
O jorro do pensamento
manchou a folha inocente
que dormia no calabouço escuro do limbo eterno
E a loucura tantas vezes suspeita
se mostrou inteira
como um punhal nas mãos de um assassino
pouco antes de cometer seu crime
O riso terapêutico e natural
formou-se aos poucos
enquanto os verdadeiros loucos
exerciam sua repetição cadenciada
nos lugares públicos alienantes
E o peido da salamandra
foi a torrefação inequívoca
de um poema errático
que conclamou os corvos
provenientes do horizonte infinito
Morpheus
sexta-feira, 19 de maio de 2017
AQUELE QUE ESPERA
Nem sempre
quem espera
alcança
Ás vezes quem espera
dança
Ás vezes quem espera
se desespera
pelo muito que pondera
sem nada decidir
Mas ás vezes quem espera
se supera
no ato de fingir
e diz que é Deus quem opera
sendo que é a própria pessoa a agir
Há aquele que espera
e alcança
com tal pujança
que até serve de exemplo
O fato é que quem espera
precisa saber esperar
para não dar uma passo maior que a perna
achando que a vida é eterna,
mas que possa fazer da paciência, um templo
Morpheus
quinta-feira, 20 de abril de 2017
SOBRE O QUE AINDA NÃO SE DISSE
ao
poeta é reservado
o
eterno direito de dizer um
FODA-SE!
e não olhar para trás
nunca mais
por
outro lado,
ele
carrega o fardo de construir um
AME!
e
entre um e outro
há
um mundo de neologismos
a
serem fundidos na lava quente
que borbulha na mente...
Morpheus
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
SILÊNCIO
O
teu silêncio
é
uma lua avermelhada
e
eu estou na escuridão saboreando a preguiça
De
onde estou
observo
as pessoas em sua tentativa
de
não estar à sós
Uma
nuvem passa
pela
lua avermelhada
Ninguém
entende minha necessidade de solidão...
Morpheus
terça-feira, 10 de janeiro de 2017
POEMA DE PRIMEIRO DE JANEIRO
Agora
a massa de gafanhotos que esteve ativa nos últimos dias
dorme...
Nesta
época tudo é muito estressante para eles
os
supermercados abarrotam-se, as lojas se enchem,
a
vida pulula numa sofreguidão sem sentido,
as
mentiras sinceras são as coisas mais ditas
e
eles consomem desenfreadamente por
nada...
Quer
dizer, quase nada
É
que o nada deles é diferente do meu nada,
o
meu nada é só nada mesmo
o
nada deles sempre tem alguma coisa
E
agora
enquanto
os fígados se regeneram,
os
pratos com restos de comida exalam seu fedor,
os
restos de bebida atraem outros insetos,
a
bagunça na sala de estar não tem importância
e
os peidos ecoam nos quartos fechados
eu
faço um poema
Morpheus
sábado, 10 de dezembro de 2016
AO SOM DA SINFONIA DA MADRUGADA
Agora eu já não sofro mais por amor,
agora eu tenho
todo o amor do mundo
Acendo um charuto,
encho minha caneca com chá
e espero que aconteça...
Espero surgir algo que mereça
a digníssima atenção
uma foto,
um estribilho dos anjos,
uma canção que é um rosnar ambíguo,
o escarlate dos teus lábios carnudos
que me beijam,
que me chupam,
que me lambem
e que me dizem
um milhão de vezes todas as coisas
que uma mulher
sempre diz a um homem
Morpheus
sábado, 10 de setembro de 2016
HÁ MAIS DE TRINTA ANOS
o rock'n roll já morreu
há mais de trinta anos
mas eu insisto em ressuscitá-lo nos finais de semana
numa tarde de quarta-feira
ou quando a certeza da impune mediocridade
tenta invadir meus domínios
quando acaba o tesão
quando falta a inspiração
o rock'n roll já morreu
há mais de três décadas
e eu ainda o vejo pulsando em corações adolescentes
Morpheus
terça-feira, 30 de agosto de 2016
TWOLLY PERKINS
Eu criava macacos. No começo era apenas um chimpanzé.
Algum tempo depois eles já eram cinco. E viviam livremente pela casa a brincar,
saltar pelas coisas e pelo telhado, viviam livremente a fazer suas macaquices.
Ninguém sem importava muito com isso, porque, no fim das contas eles eram
macacos muito bem educados por mim e por minha companheira Elisa. A vizinhança
não fazia muitas perguntas e até divertia-se em brincar com eles quando eles
estavam do lado de fora.
Mas um dia, quando estávamos todos na sala, Elisa, eu e
algumas visitas que tomavam café e conversavam conosco, algo aconteceu. Um de
meus macacos apareceu correndo e gritando desesperadamente. Puxava-me pelo
braço e apontava lá para fora. Ele estava querendo me dizer alguma coisa e
então eu fui lá fora para ver o que estava acontecendo e quando lá cheguei tive
uma tremenda surpresa.
A rua estava repleta de cobras. E curiosamente, elas
pareciam estar todas dormindo ou mortas. Talvez estivessem sob alguma espécie
de transe que as deixava letárgicas. Atravessando o portão e tomando todo o
cuidado para não pisar sobre elas eu pude ver que, um pouco mais à frente todos
os meus outros quatro macacos estavam estranhamente sentados de maneira
alinhada com as cobras ao ser redor. Entendi a preocupação de Kim, o macaco que
tinha ido me buscar lá dentro. Ele tinha medo que os macacos fossem picados
pelas cobras.
Mas as cobras, apesar de assustadoras e perigosas,
estavam meio que entorpecidas e não pareciam querer morder ninguém. Estavam
todas enroladas formando círculos misturados a sujeiras e outras coisas que me
pareceram ser fezes (fezes de cobra?) e era como se já estivessem ali há muito
tempo. Foi então que surgiu um caminhão lá no começo da rua e estacionou. Dois
sujeitos saltaram e vieram recolhendo todas as serpentes para a tranquilidade
geral dos macacos e minha também. Depois de terminarem o serviço foram embora e
meus macacos voltaram felizes para dentro de casa. De onde, diabos, tinham
aparecido todas aquelas serpentes? – era o que eu me perguntava.
De qualquer modo, eu já ia voltando para dentro de casa
quando me surgiu uma mulher acompanhada de dois garotos. Um deles na faixa dos
quinze e outro menor que deveria ter uns cinco ou seis anos de idade. Estavam
bem vestidos e rescendendo a perfume, pareciam muito sérios, embora o garoto
mais novo aparentasse estar um pouco enfastiado com aquilo tudo. A mulher tinha
aí os seus trinta e poucos anos, não era bonita, mas também não posso dizer que
fosse feia, usava um grande e redondo óculos escuro, roupas sociais, carregava
consigo uma bolsa e muitos papéis. Disse que vinha me oferecer a verdade
escrita ali naqueles papéis e que era importante que eu tomasse ciência da
verdade. Eu, por educação a ouvi mas disse-lhe que tinha pressa, aceitei um de
seus panfletos e me mandei para dentro de casa.
Juntei minhas coisas e saí para pegar o ônibus que logo
passou. Entrei e fui sentar ao lado de uma garota de longos cabelos negros e
pele muito branca. Lembro-me bem que ela tinha uma pinta do lado da boca bem ao
estilo Marilin Monroe, mas vestia-se como uma dessas garotas que gostam de
funk. Quando eu me aproximei ela olhou para mim e esboçou um sorriso. Fazia
calor e ela usava um short jeans desses muito comuns e então logo ela olhou
para mim e começou a puxar a barra do short para o lado para que eu pudesse ver
os pelos da boceta dela. E então começou a se tocar e olhar para mim de maneira
lasciva! Ela estava mesmo excitada e os bicos dos peitos logo estavam
intumescidos por debaixo da blusa cor de rosa que ela estava usando. Olhei e
pude ver a bocetona ali ao meu lado, ela estava arregaçando para mim e me
olhando como se me desafiasse a fazer alguma coisa. Então começou a
masturbar-se ali ao meu lado me olhando, passando a língua sobre os lábios
e apertando os seios e se retorcendo no
banco. Eu já estava de pau duro e me virei para ela pronto para tocá-la. Ela
percebeu e ficou ainda mais excitada. E então falou com uma voz
gemida:
-
Você quer? Vem...
Mas quando eu levantei o
braço para tocá-la ela parou, olhou pela janela e gritou:
- Meu ponto! (ela estava literalmente no ponto!)
Aí se levantou de chofre, tocou a campainha do ônibus e
pediu licença para sair pressurosa. Eu pensei em ir atrás dela, mas não podia,
por que é que eu não podia? Eu não me lembrava. E fiquei observando ela
desaparecer na rua enquanto o ônibus se distanciava.
Por fim o ônibus chegou ao shopping e eu pude descer e
começar a andar por aqueles corredores sem saber muito bem porque é que eu
estava fazendo aquilo. Mas de repente aqueles corredores pareciam tão antigos,
tão anos 80! E então eu percebi que estava andando no shopping onde meus pais
me levavam, lá estavam aqueles brinquedos de décadas atrás, as roupas das
pessoas, seus cabelos, as lojas, tudo! Os carrinhos de churros, tão deliciosos!
Então, andando por aqueles corredores
acabei encontrando uma porta estranha toda pintada de preto e entrei por ela
para descer uma dessas escadas giratórias e sair num longo corredor cheio de
canos que pareciam ser de água ou esgoto, não sei. O corredor era mal iluminado
por umas luzes que ficavam no teto e na medida em que eu ia andando ele ia se
estreitando e se ramificando em muitos outros caminhos. Estava se tornando mais
quente e úmido quanto mais eu caminhava. Havia muitos pontos em que uns pingos
d'água caiam do teto e uma fumaça branca e espessa que cheirava a cola de cano
se imiscuía pelo ar para depois desaparecer sem motivo.
De repente ouvi um ruído lá atrás e
parei. Fiquei ouvindo durante algum tempo porque tinha a nítida impressão de
que alguém estava vindo pelo corredor. Quem seria? Voltei alguns passos e
fiquei esperando, mas ninguém surgira. Tampouco barulho algum voltou a
acontecer. E esta cena veio a se repetir algumas vezes, não sei quantas, tudo o
que sei é que caminhei um bom tempo por aqueles tuneis até chegar a uma porta
onde se lia em letras garrafais: TWOLLY PERKINS!
Morpheus
sábado, 20 de agosto de 2016
MATINAL
Eu gosto de olhar para o rosto das pessoas
acabrunhadas,
entorpecidas,
ensimesmadas;
com o cenho franzido
e os olhos enrugados apertados
quando sentam-se sob o sol da manhã
na frente de suas casas
para aquecer o corpo e praticar
o nobre estado do não-pensar
olhando para o chão
e erguendo a vista para ver quem chega
tapando o sol com a mão em concha
e respondendo qualquer coisa por obrigação...
Eu gosto de olhar para elas
com suas feições matutinas,
suas expressões enrugadas,
esturricadas,
sua resignação filosófica
e dedicada totalmente a este estado de se deixar estar,
se aquecer sob o sol
por um nada
e para um nada
que lhes pertence tão verdadeiramente quanto suas
próprias vidas
Eu gosto de olhar para o rosto das pessoas
que estão encolhidas,
com as palmas das mãos juntas entre as pernas
sob o sol das nove e tantos da manhã
para esquentar seus corpos
e dizer coisas óbvias
apenas para estabelecer este contato humano tão básico
primitivo...
Eu quero olhar para suas rugas, seu torpor,
seu estranhamento quando levantam o braço para apontar
qualquer coisa
numa tentativa ignóbil de vencer o desânimo,
a neurastenia
de um início de dia
que elas não querem começar
Com o meu silêncio eu gosto delas
e com minha observação eu as acarinho
numa empatia mouca
matutando
no momento matinal
desta comunicação ancestral
sem palavras
Morpheus
Marcadores:
acabrunhamento,
acarinhar,
ancestral,
filosófica,
ignóbil,
manhã,
matinal,
matutino,
neurastenia,
observação,
pessoas,
primitivo,
rugas,
torpor
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
PONTA VERDE
Você quer ser o meu amor?
Pois o
ponteiro do relógio já não pára como antes
e o que
agora não se diz
já foi
infinitas vezes pensado
e a
confusão das ideias
é a
confusão das ideias
é a
confusão das ideias
que
escapa da cabeça para pairar sobre os ombros das efígies
lá
fora...
Você quer
ser o meu amor?
Pois o
amor é uma invenção estapafúrdia e facilmente desmontável
quando
não se olha para os casais de namorados na rua
e nem se pensa no que poderia
ter sido
mas não
foi
poderia
ter feito
mas não se fez
poderia
ter dito
mas não se disse
Ora,
permita-me apenas pensar em você
do
mesmo modo que você pensa em mim
e
deixar que as letras
se
agrupem no poema
como
pedras roliças
numa
tigela oblonga
Morpheus
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